quinta-feira, 19 de maio de 2011

O DIA EM QUE O RIO DE JANEIRO CONGELOU

Era domingo e Marta foi dormir cedo porque teria que acordar de madrugada para empreender uma viagem a Canela, cidadezinha do sul do Brasil e lugar onde noticiavam neve miúda caindo. Quando despertou e olhou pela janela viu o cenário da sua Rio de Janeiro completamente branco, igualzinho aos cartões postais de papai Noel,
Incrédula tentou sair para a rua, deixar o prédio onde morava na Vieira Souto, mas não pode ou morreria congelada tal era o frio cortante do vento vindo do mar. Voltou para casa e tentou telefonar para amigos, mas não pode, o sistema estava inoperante com cabos congelados. A solução era ligar a televisão e ela fez isso, vendo então, entre chuviscos porque esta também sentia os efeitos da nevasca cruel que na calada da madrugada atingiu toda a cidade, a catástrofe se alastrando no cenário incomum, branco e cinza de todos os lugares mostrados.
Uma moça bonitinha descrevia o caos, envolta em um capote grosso, mas que não a salvava das agulhadas da intempérie, falando como se ela mesma não acreditasse no que noticiava. Não havia sistema algum de condução, tudo estava parado na superfície da cidade devido ao despreparo para rodar na neve e apenas o metrô parecia estar funcionando, mas impraticável devido aos ocorridos para o lugar. Não havia socorro aos que insistiam lotando as redes de comunicação com suplicantes pedidos, tudo atrapalhado pela súbita invasão da natureza hostil. Um suceder de imagens mostrando locais e situações, atordoava Marta que, enrolada em um cobertor de lá, roia as unhas nervosamente.
Toda a cidade parou, afundou num manto branco sepulcral, neve espessa e fria caída do céu onde jamais um dia isso se imaginou.
Sem ter como socorrer ninguém os hospitais não mandavam ambulâncias e cenas costumeiras dos dias normais agora aconteciam multiplicadas, gente nos corredores, nas salas, na portaria e frente do prédio, sabe-se lá como ali chegando, morrendo de frio e aflição.
Os telefones da Saúde Pública não paravam de tocar e a rede estava congestionada, assim como o do corpo de bombeiros, da polícia, dos órgãos de segurança, enfim de tudo julgado capaz de socorrer ou responsável por isso, sem naquela hora poder levar a culpa.
No zoológico quem trabalhando conseguia resistir ao gelado tentava ajudar os pobres animais desacostumados ao frio, tentando com carvão aceso aquecer jaulas, esgotando tudo que significava estoque armazenado. Naquela área somente os pingüins e um urso polar, sorriam de felicidade.
Nos morros a situação era mais caótica, mães chorando a tosse aumentada dos filhos, a agonia geral de ver água em gelo por todo lado, desde torneiras até no chão, Gente pobre que morava em casa pobre, gente que nunca viu neve a não ser na televisão ou cinema, onde só o branco aparecia, mas não a friagem.
Nas ruas os primeiros corpos descobertos começavam a aparecer, mendigos, garotos de rua, famílias de pedintes sem teto, alguns ainda agonizantes, outros enregelados, gente que não pode alcançar os albergues fatalmente superlotados, corpos de todos os tamanhos, duros e cinzentos abandonados ao faro dos cães vadios. E sempre perto havia alguém chorando ou gritando insultos aos governantes.
Nos aeroportos quando em vez algum avião ainda decolava para o céu cinzento, muralha que impedia o sol de dar uma ajuda aos condenados e não se sabe se levando passageiros normais ou gente fugindo da morte. Mas a situação era desgovernada ali também com falta de muita gente, falta de organização e preparo porque o Rio de Janeiro não é o Canadá ou sequer o Brasil também o é e os brasileiros não levaram isso nunca em consideração, desacreditando que um dia pudesse a vir acontecer. Toda a cidade era um manto branco, espesso, toda a cidade estava em colapso e sem meio de socorro, toda a cidade sofria por nunca acreditar no impossível acontecendo.
Marta olhou o relógio, viu que àquela hora do dia normalmente o sol aquecia a cidade, mas não àquele dia. E enquanto ela começava a chorar com medo de um final terrível todo o Rio de Janeiro afundava em complicações, vendo sua água congelar, sua comida deteriorar nos mercados sem calefação, sua vida dar um nó em poucas horas, horas começada em uma madrugada sem avisos onde uma massa polar deslocada, usuflada por ventos vindos do mar pairou sobre a cidade maravilhosa que começava a se transformar na cidade da morte.
Homens do poder se reuniam tentando achar solução imediata, mas em cada um deles e por tão pouco exemplo de impotência, pairava o medo de todo mundo, o mesmo medo, o do juízo final que nem padres eram mais capazes de enfrentar com coragem. Aquele era o dia da prestação de conta, da conta do nada haver feito ao longo de toda a vida, da conta do deixar abandonado, da conta do não saber lidar com o que era maior, da conta que iría render juros por toda uma época no quem viver verá.
Na televisão a mesma mocinha responsável, que não se sabe como chegou ao trabalho continuou falando, e ela, mesmo sem permissão de texto ou vitrine de leitura falou com próprias palavras, convidando o povo da cidade a rezar.
E foi então que Marta despertou, olhou estonteada ao redor e viu sol tentando pela janela, viu o céu azul lá fora e correndo para a janela ainda meio ofegante viu que a sua Rio de Janeiro continuava intacta, bela, igual e quente apesar de ser inverno.

Por Jorge Curvello

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