quarta-feira, 28 de agosto de 2013

DEUS... QUEM É VOCÊ?



E ele era ateu, não acreditava em um criador da natureza, dos homens e de todas as coisas do mundo em que ele vivia, sempre resistindo a ensinamentos ou renegando a fé que a dizia sentir só para consigo mesmo. Consta em um ensinamento secreto perdido entre as raças que ele vivia, mesmo descrente, mas desconfiado, querendo saber quem era esse deus que todos adoravam e ele não, que todos acreditavam, mas ele não, que diziam ser o pai de tudo e de todas as coisas, mas que o dele não porque o dele ele conheceu e se chamava José. E assim sentindo ele perguntava:

---- Deus... Quem é você que todos temem, respeitam, idolatram e ensinam da existência? Quem é você e onde existe ou se esconde que ninguém, a que eu saiba, jamais viu a face?

E tanto ele perguntava que um dia, algo como seu próprio pensamento pareceu lhe responder, usava a sua voz, o mesmo jeito de falar, era criado em sua mente como se uma resposta que ele jamais se daria, mas estava ali dizendo.

--- Eu sou a borboleta que voa e vem pousar em teu ombro. Nunca tiveste uma? Eu sou a água que bebes e te alimenta, o pão que comes, o vinho que gostas, o sol que te ilumina, a chuva que te molha, o frio que te incomoda. Eu sou o ar que respiras e sem ele não vives, e sou as plantas que te dão esse ar, os animais que te rodeiam, os pássaros que para ti cantam, as cores que enfeitam teus jardins, as flores, a luz que te ilumina os caminhos. Sou também tudo o que o homem cria, inventa, trabalha, destrói e constrói.  Eu sou tudo isso e sou mais ainda. Eu sou você porque somente existo em você, se você me crê.

E então ele parou e ficou olhando tudo ao redor, depois olhou para si mesmo, por fora onde à pele cobria sua imagem, depois procurar olhar para dentro procurando ver o seu coração e ele estava vazio. Então ele sentiu falta de alguma coisa, algo que lhe desse uma razão para a vida, a existência, o acreditar, e olhando para um espelho, ele viu nele, refletido,Deus.

 


Por Jorge Curvello

sábado, 17 de agosto de 2013

HOJE É DIA DE ROCK. (The beguining)



 
Anos sessenta, os anos da rebelião dos jovens no Brasil. Anos de rebeldia, revolta, audácia e desprendimento das regras da família em nome de regras própria e definitivas que iniciaram uma época sem fim, “Se você está contente com o establishing (estabelecimento), então viva nele que eu estou de malas prontas”, essa era a regra, essa era a lei para deixar um e entrar em outro mundo, outra era. E a partir do grito de guerra na voz de cantores de protesto como Bill Harley, Elvis Presley, Brenda Lee, Little Richard e tantos outros, milhares de jovens saíram às ruas para protestar sua liberdade contida, amarrada a regras envelhecidas que não cabiam mais no mundo novo que surgia, o mundo da liberdade total, da conquista do espaço, da expulsão de velhos e rançosos costumes.

Em fogueiras de ações foram queimadas frases arcaicas como: Homem não usa cabelo comprido, não veste roupa colorida, não usa sapato de lona, não abusa da namorada, não trepa antes de casar, só com puta, não canta, não chora, não rebola, e outras proibições idiotas tiradas não se sabe de que cabeça maluca.

E para elas: Sua virgindade é seu passaporte para o casamento, moça não usa saia curta, não fuma, não bebe em público, não ri alto, não namora mais que um ao mesmo tempo, não trepa antes de casar, não volta tarde para casa, não sai sozinha, tem que guardar a virgindade, não fala palavrão, não isso, não aquilo, e não, e... Nãaaoooooo enche porra!

E o grito de guerra estava dado, solto, repetido na boca dos lúdicos, dos que jogavam com a sorte para vencer, E venceram, derrubaram conceitos, moral, regras, se firmaram independentes mesmo sofrendo eternas represálias e discriminações. Hoje é dia de Rock.

Lúdico como os demais eu me descobri, primeiro ouvindo aquele programa de todas as noites dirigido por Jair de Talmaturgo e sob locução de Izaack Zaltman na extinta rádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro. Uma hora de rock´n roll seguido, novidade, embalo para ouvidos e corpo que dançava sem se mover ainda parado pela vergonha, mas depois embalado na coragem indo assistir nos sábados quando então era aberto a uma gama de jovens inscritos, selecionados pela inscrição e nome, se apresentando no palco como artistas natos, dublando vozes que na eram suas, coreografando ao bel prazer de sua mente fértil as canções do reboliço. Ah as inesquecíveis tardes de duas horas que começavam bem antes, ainda ao meio dia do lado de fora da rádio trocando idéias e audácias.

Iniciante comprei minha jaqueta na loja mais cara do bairro, azul brilhante com punhos e cinta sanfonada, vesti sobre a camisa de listras azuis sobre fundo branco, para dentro da calça de jeans surrado, de marca, desgastado nas pernas com água sanitária para parecer mais velho ainda, calcei os proibidos sapatos de lona com cordéis, um cinto largo com fivela de metal polido segurando, os cabelos deixados à vontade, despenteados, na boca uma goma de mascar e no bolso um maço de cigarros sem filtro, moda da época.

E lá fui eu, lá estava eu todos os sábados, o lúdico se transformando no jogo da vida, o jogo do amanhã que nem o governo pode segurar. E no meio de moças que não era mais virgem, de rapazes que não eram mais pudicos, gente nova, gente viva, gente alegre, arruaceira e desafiadora, brigona e de língua solta e livre, eu me formei em novo, em um rebelde sem causa onde a causa era ser apenas, rebelde, mais um símbolo de um Brasil que deixou na sua juventude de ser escravo dos padrões. Hoje é dia de Rock, e a vida continua.

Por Jorge Curvello

 

(Continua na próxima semana)

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

FELIZ SONHO IRREALIZADO


 

 

Por toda uma vida tentando eu agora me sentia realizado, ovacionado por grandes astros e estrelas do mundo artístico, gente que sempre invejei poder alcançar o mesmo patamar da fama. E ali estavam todos, escondidos em coxias me observando, Fernanda Montenegro, Natalia Timber, Irene Ravache, e muitos outros, todos reis do estrelato contratados para trabalhar naquela nova versão de uma peça famosa, e com eles, eu.

Por toda uma vida sonhei ser ator, ser famoso, ter o nome reconhecido em grandes letras em um cartaz, fosse do teatro, do cinema ou da televisão. Por toda uma vida esperei em vão esse dia chegar, atuando onde me davam pequeninas chances que me prometiam ser maior depois, mas que continuavam sempre, sendo pequeninas. Mas sem desanimar eu prosseguia.

Ali vestido com aquela humilde roupa não distante de quem comigo faria uma cena em dois, eu ansiava enquanto temia o grande momento de entrar em cena, me posicionar no palco seguindo as marcas, temendo esquecer minhas falas ou engasgar as dizendo, inseguro dentro da insegurança de tantas vezes, fracassado. Mas ali estava eu, sendo parte de um elenco grandioso tendo meu nome  no cartaz adiante do deles escrito com letras sumidas, talvez único na história do teatro em uma reprise com inclusões do diretor, e uma delas, era o meu papel.

Mas é claro que eu merecia estar ali, passei nos testes, fiz tudo como eles queriam, e agora iría, pela primeira vez em anos, atuar junto a um dos maiores ícones do teatro brasileiro, o grande Paulo Autran.

 E lá estava ele engalanado em seu manto de rei, com aquela coroa brilhando na cabeça e aquela fisionomia tranqüila dos que sabem que vai agradar, levantar hurras e aplausos, bravos e outros elogios dirigidos aos que merecem e agradam a massa.  E fora da visão da platéia silenciosa estava eu, em meu modesto traje de serviçal, esperando a hora de minha entrada em cena.

 As minhas costas rostos conhecidos e famosos me olhavam intrigados, não me conheciam mesmo eu já estando várias vezes perto deles ou junto com eles em outras produções, então um simples ator medíocre em um papel mais ainda. E no palco Paulo dá a deixa e eu entro, com pouco a falar e muita convicção, mas pouca certeza, com muito a esperar e pouco anseio, um perfeito incógnita de mim mesmo.

 Parado no centro do palco o Paulo aguarda, me vê e sua fisionomia atuando é uma enquanto os olhos esperam tudo de mim porque sempre foi um professor. Eu entro e me posiciono, e como nunca em toda a minha vida, falo:

 

--- Meu senhor, eu trago o seu destino em minhas mãos.

 

 E entrego a ele um papiro enrolado que ele não lê, olha apenas para mim e seus olhos agora, o do homem, parecem me sorrir, depois me dá as costa e me deixa ali, plantado com meio braço ainda estendido como se segurasse o papiro, ainda.

 E então os aplausos estouram, na platéia e nos bastidores, aplausos que duram além dos minutos esperados e concedidos para não atrasar o espetáculo.  E então eu saio, refugio-me no escuro da coxia com olhos umedecidos, recebendo condecorações de todo a lado por falar tão pouco, mas interpretar como nunca, com toda a minha alma aquele tão diminuto papel.

Alguém eu acho que Fernanda, sussurra bem junto a meu ouvido.

--- “Bravos rapaz” Nunca vi tanto sentimento em um ator.

 

E então eu acordo ainda ouvindo os aplausos, os hurras, os bravos, mil vozes em coro, vozes que aos poucos se apagam desaparecendo de meus ouvidos... Ou da minha mente?

E então me levanto sabendo que foi apenas um sonho, sonho que nunca realizei em quarenta anos de tentativas, quarenta anos tentando algo que já não quero mais, que perdeu a graça, à vaidade da fama, o sentimento de estar em um baluarte, diante de câmeras ou cenários, sentimento que a idade avançada me levou.

 E eu abro a janela e vejo o sol, pombas rolas namorando em uma árvore, vejo nuvens correndo no céu como corri atrás do que nunca consegui, o sucesso,  sinto o perfume das flores no ar, e olho para mim sem a roupa da peça, sem mais o texto, sem mais nada que me leve a sonhar outra vez. E então vejo que assim mesmo fui e serei um ator, porque se no palco não brilhei jamais, aqui no palco da vida fui e continuo sendo um ator, bom para alguns, mau para outros, interpretando diversos papeis nunca repetidos, sem direito a aplausos, mas o meu próprio manto de rei, o Rei Lear que em sonho me levou ao estrelato mesmo sem eu merecer.
 
 
Dispensa assinatura.