Por toda uma vida tentando eu agora me sentia
realizado, ovacionado por grandes astros e estrelas do mundo artístico, gente
que sempre invejei poder alcançar o mesmo patamar da fama. E ali estavam todos,
escondidos em coxias me observando, Fernanda Montenegro, Natalia Timber, Irene
Ravache, e muitos outros, todos reis do estrelato contratados para trabalhar
naquela nova versão de uma peça famosa, e com eles, eu.
Por toda uma vida sonhei ser ator, ser famoso, ter o
nome reconhecido em grandes letras em um cartaz, fosse do teatro, do cinema ou
da televisão. Por toda uma vida esperei em vão esse dia chegar, atuando onde me
davam pequeninas chances que me prometiam ser maior depois, mas que continuavam
sempre, sendo pequeninas. Mas sem desanimar eu prosseguia.
Ali vestido com aquela humilde roupa não distante de
quem comigo faria uma cena em dois, eu ansiava enquanto temia o grande momento
de entrar em cena, me posicionar no palco seguindo as marcas, temendo esquecer
minhas falas ou engasgar as dizendo, inseguro dentro da insegurança de tantas
vezes, fracassado. Mas ali estava eu, sendo parte de um elenco grandioso tendo
meu nome no cartaz adiante do deles
escrito com letras sumidas, talvez único na história do teatro em uma reprise
com inclusões do diretor, e uma delas, era o meu papel.
Mas é claro que eu merecia estar ali, passei nos
testes, fiz tudo como eles queriam, e agora iría, pela primeira vez em anos,
atuar junto a um dos maiores ícones do teatro brasileiro, o grande Paulo
Autran.
E lá estava ele
engalanado em seu manto de rei, com aquela coroa brilhando na cabeça e aquela
fisionomia tranqüila dos que sabem que vai agradar, levantar hurras e aplausos,
bravos e outros elogios dirigidos aos que merecem e agradam a massa. E fora da visão da platéia silenciosa estava
eu, em meu modesto traje de serviçal, esperando a hora de minha entrada em
cena.
As minhas
costas rostos conhecidos e famosos me olhavam intrigados, não me conheciam mesmo
eu já estando várias vezes perto deles ou junto com eles em outras produções, então
um simples ator medíocre em um papel mais ainda. E no palco Paulo dá a deixa e eu
entro, com pouco a falar e muita convicção, mas pouca certeza, com muito a
esperar e pouco anseio, um perfeito incógnita de mim mesmo.
Parado no
centro do palco o Paulo aguarda, me vê e sua fisionomia atuando é uma enquanto os
olhos esperam tudo de mim porque sempre foi um professor. Eu entro e me posiciono,
e como nunca em toda a minha vida, falo:
--- Meu senhor, eu trago o seu destino em minhas mãos.
E entrego a ele
um papiro enrolado que ele não lê, olha apenas para mim e seus olhos agora, o
do homem, parecem me sorrir, depois me dá as costa e me deixa ali, plantado com
meio braço ainda estendido como se segurasse o papiro, ainda.
E então os
aplausos estouram, na platéia e nos bastidores, aplausos que duram além dos
minutos esperados e concedidos para não atrasar o espetáculo. E então eu saio, refugio-me no escuro da
coxia com olhos umedecidos, recebendo condecorações de todo a lado por falar tão
pouco, mas interpretar como nunca, com toda a minha alma aquele tão diminuto
papel.
Alguém eu acho que Fernanda, sussurra bem junto a meu
ouvido.
--- “Bravos rapaz” Nunca vi tanto sentimento em um
ator.
E então eu acordo ainda ouvindo os aplausos, os
hurras, os bravos, mil vozes em coro, vozes que aos poucos se apagam
desaparecendo de meus ouvidos... Ou da minha mente?
E então me levanto sabendo que foi apenas um sonho, sonho
que nunca realizei em quarenta anos de tentativas, quarenta anos tentando algo
que já não quero mais, que perdeu a graça, à vaidade da fama, o sentimento de
estar em um baluarte, diante de câmeras ou cenários, sentimento que a idade avançada
me levou.
E eu abro a
janela e vejo o sol, pombas rolas namorando em uma árvore, vejo nuvens correndo
no céu como corri atrás do que nunca consegui, o sucesso, sinto o perfume das flores no ar, e olho para
mim sem a roupa da peça, sem mais o texto, sem mais nada que me leve a sonhar
outra vez. E então vejo que assim mesmo fui e serei um ator, porque se no palco
não brilhei jamais, aqui no palco da vida fui e continuo sendo um ator, bom
para alguns, mau para outros, interpretando diversos papeis nunca repetidos,
sem direito a aplausos, mas o meu próprio manto de rei, o Rei Lear que em sonho
me levou ao estrelato mesmo sem eu merecer.
Dispensa assinatura.