quarta-feira, 14 de setembro de 2011

NÓS, OS COMISSÁRIOS DA VARIG






Dos anos 60 aos anos 90 nós fomos considerados pela maioria dos usuários da aviação comercial os melhores atendentes de cabine de aviões do mundo, comissários de bordo da Varig então também considerada uma das melhores empresas aéreas mundial e melhor de todo o Brasil. Devíamos a Varig este prestígio e em especial a uma mulher, também aeromoça chamada Alice Editha Klaus, alguém que praticamente se casou com a finada empresa.
Éramos mais de três mil comissários de bordos, homens e mulheres, distribuídos nas rotas nacionais e internacionais da Cia, orgulhosos e capazes, sempre prontos a dar o melhor de nós quando dentro de um uniforme e gozando dos privilégios que a maravilhosa profissão oferecia, excelente salário, excelente local de trabalho, excelente núcleo de amigos e colegas, todos existindo dentro de um mundo especial que começava e terminava às portas de um aeroporto.
Entre nós havia cumplicidade, respeito, amizade sincera e muita alegria, uma família dentro de outra família que ainda era a nossa saudosa empresa. A cada vôo uma nova alegria, uma nova descoberta, uma nova revelação e todas as pequenas coisas contrárias que aconteciam eram suplantadas pelas melhores, apagadas pela compreensão de que nada é perfeito nesse mundo. Foram anos vividos com alegria, interesse, afeto e dedicação, entrega de parte de nossas vidas e de nossa liberdade bem merecidos, um mundo de cultura, prazeres, trabalho, descobertas e aventuras onde chorar era proibido e rir a bandeira.
A cada tripulação formada logo se revelava a afinidade e prazer de estar se trabalhando em equipe, se desfrutando pernoites em conjunto, se sofrendo angústias consoladas e muito a mais do que tudo isso, a certeza de que estávamos entre amigos, mesmo havendo alguns que não fossem tanto assim.
Do Oiapoque ao Chuí, do pólo ártico ao pólo Sul, onde houvesse uma cidade operada pela Varig lá estávamos nós, embarcando e desembarcando passageiros satisfeitos por estarem conosco, seguros conosco, e quantos amigos então fizemos mundo afora em nossas loucas vidas de anjos do ar, e quantas saudades recolhemos pelo passar do tempo e a muitos lugares não mais retornar, e quantas lembranças boas e más guardamos de tudo e de todo, esquecidos de que éramos também apenas cidadãos brasileiros para sermos apenas comissários de bordo.
Dentro dos aviões, se em viagens mais curtas era a alegria do conviver, do servir, do ajudar, do rir das brincadeiras ocultas que somente nossos olhos viam. Nas viagens mais longas era o deslumbre do serviço de bordo requintado, dos plantões abordo de confissões e desabafos, das piadas de histórias curiosas que ouvíamos sempre renovadas e nos períodos de descanso divididos, mesmo sacrificados em poltronas mal reclinadas, ou depois em leitos nem tanto confortáveis, mas isolados do resto do avião, sonhos nos elevavam e fazia esquecer a distância nos separando do esperado paraíso que era o local de pernoite.  E nesses lugares, livres da obrigação e com dinheiro no bolso aconteciam passeios, compras, jantares memoráveis, leituras de bons livros ou solidão buscada em banco de igrejas para meditar, visitas a lugares nunca antes sonhados e a revelação que fomos premiados ao recebermos um simples brevê com insígnias de uma empresa aérea e a nossa era a grande, orgulhosa e famosa Varig Airlines, quer no Ícaro ou na rosa dos ventos da que se transformou na estrela Brasileira.
Hoje aposentados, envelhecidos, diferentes do belo que fomos e já nem tanto famosos, ainda somos amigos, ainda somos família, ainda somos lembranças gostosas e contatos melhores, ainda trocamos e-mails, encontramos, nos estimamos como irmãos porque todos de fato pertencemos a uma irmandade, a irmandade chamada Varig.


Não importa se hoje, mais de trinta anos depois e por uma sacanagem política e roubo deslavado nos tiraram o poder aquisitivo de uma conquistada aposentadoria complementar, nos relegaram a vergonhas e sofrimentos, pois ainda somos comissários de bordo em nossas almas, ainda nos ajudamos e estimamos, ainda sorrimos e revivemos nem que seja em doces fotos ou outras lembranças nossos doces e eternos momentos de felicidade, o de poder voar sem nunca ter asas.


Dedicado a três melhores colegas e amigas do ontem e do hoje, comissária Tânia Milan, comissária Vera DeMarchi e comissária Elizabeth Masteline, pelo belo que foram e continuam, pela amizade que me ofertaram, pela profissional que se graduaram e por tantas alegrias que vivemos juntos.
                           
                                               Comissário Curvello

4 comentários:

  1. Obrigada amigo Curvello por essa bela homenagem,
    e por nos fazer no seu texto recordar a vida bela que vivemos e convivemos.

    Valeu !!!!

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  2. Comentei antes esse artigo mas não computaram.
    Será que fiz algo errado ?
    Tentando novamente

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  3. Para mim não importa se você está aposentado, envelhecido, careca ou banguela. Você foi um comissário da Varig, ponto.
    Você É diferente dos outros, apesar das brincadeiras tipo "também fazemos o n° 1 e o n° 2", só de olhar pra vocês eu vejo algo diferente. Seu olhar é diferente, seu portar é diferente, seu falar é diferente, seu pensar é diferente. Você partilha comigo uma época que não há mais na aviação por vários motivos.Confesso que já impliquei um bocado com vocês, mas é porque eu não conseguia expressar o quanto os amava, e isso me frustrava.
    Recentemente fiz um vôo da GOL, e no meio daquele pessoal tão empírico detectei uma "variguinha" na mesma hora.Até a expressão do rosto dela é impressionante.
    Quando estive no Tropical, a mesma coisa. Em meio a um monte de criaturas vermelhas sem sal e nem açúcar, eis que me aparece um comandante galanteador (pra não dizer cara-de pau mesmo). Outro variguinho. Com aquela aura festiva de dourado e azul marinho que lhes era peculiar nas horas de folga.
    Quando estou no hotel do centro da minha cidade começo alagrimar pensando: "onde estão os homens de qupe branco? não vão mais voltar..." E me dá um vazio terrível, pois minha vida era amar e implicar com vocês. Vocês eram o meu mundo.
    Atransbrasil adoçava minha vida com sua ternura, e vocês apimentavam ela com a danação de vocês.
    Isso era viver.

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  4. Mais um comentário: Vocês são tão lindos nas fotos...
    ...ENTÃO PORQUE BOTAM FOTO DE COMISSÁRIO DA TWA???
    Pô, magoei tio...


    Duquesa Carolina.

    Visite o blog do "aviador anônimo" e divirta-se.

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