terça-feira, 24 de maio de 2011

FILOSOFIA DE MENDIGO

Não se trata de filosofia de mendigo, mas de a filosofia de um pedinte com quem cruzei em uma porta e loja no centro de Niterói.
Ele estava sentado, parecendo ouvir música provinda de um aparelho de som da loja quando olhou para mim e fez menção de falar. Eu já estava retirando uma esmola do bolso quando sua voz soou e me espantou.

--- Não precisa. Eu não estou trabalhando agora, somente ouvindo este cantor.

A voz de um cantor moderno berrava na calçada e eu perguntei.

--- Gosta dele?

O homem respondeu.

--- Até que gosto, mas não canta com sentimento, aproveita a onda somente.

Fiquei curioso com o mendigo analista de cantores e perguntei.

--- E para você, quem canta com sentimento?

Ele sorriu.

--- Ora, muitos... De ontem e de hoje, ainda.

--- Mas não depende da música?

Perguntei querendo confundir.

--- Não, vem do cantor, é rótulo.

Fiquei mais surpreso ainda.

---- Como assim?

Ele se ajeitou na calçada e recolheu um cobertor caído a seu lado.

---- Tem estilo próprio, canta sempre e todas as musicas que canta, se imaginando nas palavras da canção, vivendo a história, se me entende.


--- E quem, por exemplo, canta assim?

-- Lhe dou três exemplos e todas três cantoras de estilos diferentes.

--- Quem?

--- Joana, Alcione e Ana Carolina.

--- E como é que elas cantam?

Ele riu de minha pergunta idiota.

--- Usando a voz... Mas veja se não concorda comigo: A Joana, em todas as músicas românticas que canta, parece uma mulher fina e de trato envolvida com um sujeito de trato, ou mais novo ou da idade dela. É como se cantasse para um amante, alguém que conhece ou conheceu e pelo jeito, sempre um sujeito de nível.

--- Já a Alcione? ---- Adiantei buscando explicação. --- Como esta demonstra.

--- Ora, esta demonstra sempre estar cantando para um amante, do gênero cafetão, garotão sempre mais novo e bandido, e ela se passando por mulher usada, desprezada, mulher vadia.

Fiquei surpreso, batia com minha opinião o que ele dizia, então continuei.

---- Boa essa... Mas vamos a Ana Carolina, o que esta demonstra sempre.

--- Mulher que gosta de mulher, pode até se a letra diz, usar o sujeito no masculino, mas é como se cantasse para outra mulher, e toma de sentimento na intenção dela.

Tornei a querer confundir.

--- Êpa, espera aí... Você parece querer dizer que a Ana Carolina é sapatão.

--- Eu somente não, todo mundo diz que é e a Alcione e a Joana também. Mas isso não importa aqui, o que importa é o como sinto as cantoras cantando, assim como falei. Você não acha assim?

Fiquei embaraçado, disfarcei esticando um Real para ele que pegou e guardou, depois recolheu suas coisas e se levantou, dizendo.

---- Deixe-me ir, agora e hora de ir para a porta do Ricardo Electro.

--- Porque, o que tem por lá agora.

Perguntei curioso esperando outra resposta da que ele deu.

---- Ali dentro dessa loja o relógio marca quase seis horas da tarde e por lá, no Ricardo Electro sempre tocam a Ave Maria as seis da tarde. Eu jamais vou deixar de ouvir, é a música que mais gosto.

E ele se foi sem me olhar, me deixando curioso de seguí-lo para ver se realmente ainda toca em algum lugar, Ave Maria.

Por Jorge Curvello

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não desmereça a Internet com palavras chulas.
Obrigado