Não se trata de filosofia de mendigo, mas de a filosofia de um pedinte com quem cruzei em uma porta e loja no centro de Niterói.
Ele estava sentado, parecendo ouvir música provinda de um aparelho de som da loja quando olhou para mim e fez menção de falar. Eu já estava retirando uma esmola do bolso quando sua voz soou e me espantou.
--- Não precisa. Eu não estou trabalhando agora, somente ouvindo este cantor.
A voz de um cantor moderno berrava na calçada e eu perguntei.
--- Gosta dele?
O homem respondeu.
--- Até que gosto, mas não canta com sentimento, aproveita a onda somente.
Fiquei curioso com o mendigo analista de cantores e perguntei.
--- E para você, quem canta com sentimento?
Ele sorriu.
--- Ora, muitos... De ontem e de hoje, ainda.
--- Mas não depende da música?
Perguntei querendo confundir.
--- Não, vem do cantor, é rótulo.
Fiquei mais surpreso ainda.
---- Como assim?
Ele se ajeitou na calçada e recolheu um cobertor caído a seu lado.
---- Tem estilo próprio, canta sempre e todas as musicas que canta, se imaginando nas palavras da canção, vivendo a história, se me entende.
--- E quem, por exemplo, canta assim?
-- Lhe dou três exemplos e todas três cantoras de estilos diferentes.
--- Quem?
--- Joana, Alcione e Ana Carolina.
--- E como é que elas cantam?
Ele riu de minha pergunta idiota.
--- Usando a voz... Mas veja se não concorda comigo: A Joana, em todas as músicas românticas que canta, parece uma mulher fina e de trato envolvida com um sujeito de trato, ou mais novo ou da idade dela. É como se cantasse para um amante, alguém que conhece ou conheceu e pelo jeito, sempre um sujeito de nível.
--- Já a Alcione? ---- Adiantei buscando explicação. --- Como esta demonstra.
--- Ora, esta demonstra sempre estar cantando para um amante, do gênero cafetão, garotão sempre mais novo e bandido, e ela se passando por mulher usada, desprezada, mulher vadia.
Fiquei surpreso, batia com minha opinião o que ele dizia, então continuei.
---- Boa essa... Mas vamos a Ana Carolina, o que esta demonstra sempre.
--- Mulher que gosta de mulher, pode até se a letra diz, usar o sujeito no masculino, mas é como se cantasse para outra mulher, e toma de sentimento na intenção dela.
Tornei a querer confundir.
--- Êpa, espera aí... Você parece querer dizer que a Ana Carolina é sapatão.
--- Eu somente não, todo mundo diz que é e a Alcione e a Joana também. Mas isso não importa aqui, o que importa é o como sinto as cantoras cantando, assim como falei. Você não acha assim?
Fiquei embaraçado, disfarcei esticando um Real para ele que pegou e guardou, depois recolheu suas coisas e se levantou, dizendo.
---- Deixe-me ir, agora e hora de ir para a porta do Ricardo Electro.
--- Porque, o que tem por lá agora.
Perguntei curioso esperando outra resposta da que ele deu.
---- Ali dentro dessa loja o relógio marca quase seis horas da tarde e por lá, no Ricardo Electro sempre tocam a Ave Maria as seis da tarde. Eu jamais vou deixar de ouvir, é a música que mais gosto.
E ele se foi sem me olhar, me deixando curioso de seguí-lo para ver se realmente ainda toca em algum lugar, Ave Maria.
Por Jorge Curvello
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não desmereça a Internet com palavras chulas.
Obrigado