segunda-feira, 22 de abril de 2013

PAUL DE RATO


.Não é o que se pensa ao se ouvir o nome, mas sim nome regional dado a bebidas misturadas, qualquer uma, que ele, a figura especial desse meu bairro do nada, adotou para si e para todos porque de seu nome esquece assim como não guarda o de ninguém e para ele, e ele mesmo, todos são pau de rato.
Ele é uma figura incrível, um cérebro na empresa onde trabalhava e continua anos a fio mesmo sem ir trabalhar, nunca aposentado, nunca encostado no INSS, mas conservado de molho em casa porque é cérebro, tem cérebro e graças ao cérebro dele o dono partiu de duas carroças de burro, para uma frota de caminhões de carga operando com base pelo Brasil afora.
Casado com uma mulher, não transa mais com ela nem ninguém masturba-se, como diz, e vivem entre tapas e beijos, mas sem largarem-se. Adora um pau de rato, paga para si e para todos, estoura dinheiro sem pensar porque como diz, para ele o bem estar do alheio o conforta. 
Pau de rato é bonito, mas não se cuida, anda de qualquer jeito e é desnudo de toda a vaidade pessoal. Pau de rato é conhecido por muitos, aqui, fora daqui, sabe-se lá até onde, com poucos sabendo seu nome de batismo, Rodolfo, tem cultura que nunca usa, despreza para ser igual à maioria onde vive.
Vive perambulando todos os dias na rua, bebe o que quer desde que seja pau de rato, por vezes isso é o seu café da manhã, almoço, janta e ceia.
Aos vinte e três anos de idade teve um câncer iniciado em um dos escrotos que amputou, depois um pedaço do intestino grosso, depois um pedaço do pulmão, e jurado pela medicina de poucos dias de vida hoje, meio inteiro e aos cinqüenta e três anos de desafio, perambula sorrindo e vivendo, descrente de muita coisa, mas nunca do bom coração. Famoso Pau de rato.
Gosta de dormir a hora que quer, se de dia ou de noite, não importa, como quando quer e nunca como deve, não gosta de trair a mulher e sexo para ele, como diz, só com muita emoção, nunca fácil e animalesco. Enfim, driblou a morte até hoje e nunca se importa com ela, ou no dia que finalmente virá. Este é o Pau de Rato.

Seu lema:
              “Sou qual barco à vela, vou com o vento e machuca-me ruídos de motores, não tenho rédeas" porque não sou cavalo nem burro e grilhões para mim, só os que minha natureza dita ““.

Por Jorge Curvello, para um verdadeiro amigo.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Hoje dia 12 de abril do ano 2013 e eu completo setenta e dois anos de vida, vida que eu vivi igual à de todos ou diferente se a julgar por minha pessoa, irreverente, desafiadora, prepotente, incrédula em maus agouros, superstições tolas, malefícios, achando tudo parte da existência porque se pelo que passei, passo ou passarei já estava escrito e o negócio é jogo de cintura.
São setenta e dois anos bem vividos, desde minha infância livre e de pé no chão, provando terra, ar e água sem medo porque tudo tinha que ser desafiado e experimentado. São setenta e dois anos onde, ao longo desse tempo, fui amigo, inimigo, debochado, sóbrio, iludido e iludindo, escutando mentiras e mentindo, batendo e apanhando, anos onde passei por poucas e boas sorrindo ou chorando, onde conquistei e fui conquistado, onde sofrimento e dor tinham sabor de vitória pelo mal e bem vencidos, onde tudo e todos foram somente parte dessa vida louca que nos ensina a assim ser em suas diversas nuances, falsidade e verdade, sabores e venenos, vida, somente vida e nada mais.
Andei trilhando caminhos que me diziam sem voltas, mas fui e voltei para provar que nada os demais sabiam da vida além do que eu sei, fui tachado disso e daquilo e caguei e andei para as opiniões inválidas diante de uma vida que Deus me deu para ser somente minha. Conquistei corações e dei o meu a conquistas, fui sádico, masoquista, mentiroso, verdadeiro, belo sendo sem modéstia e feio sem me importar, viril e brochado, diferente quando igual, fui, sou e continuo sendo e serei gente enquanto vivo estiver porque, na ciranda da vida, somos todos feitos de carne, osso, sangue, defeitos e virtudes.
Fiz amigos, perdi amigos e amizades, guardei alguns e outros só fingiram assim ser e se foram, sou pobre por fora e rico por dentro, tenho tudo sem nada ter, existo.
Em anos de fúria passei incólume nas recessões e revoltas populares, nunca envolvido porque era dos que gostam de pegar sobras, vi gente nascer, morrer, invalidar, mas nunca me senti ameaçado por mal algum porque todos os que vieram e virão, fazem parte do meu destino e disso eu já sei.
Hoje eu amargo muitas dificuldades das quais sorrio aqui no meu pedaço e as quais eu somo somente experiência e orgulho de saber enfrentar e contornar, porque sou dos que acredita em anéis se indo, mas dedos ficando. Dos velhos tempos de trabalho guardo a lembrança do que valeu, no bom e no mal, guardo no coração amizades sinceras que fiz e me retribuem, lembranças dos que já se foram, mas assim o foram para mim enquanto neste plano e acho na minha vã ignorância do certo ou errado que sempre fui, sou e serei, que  e serei sempre feliz enquanto viver.
Não posso fazer festa além de me sentir por dentro em festa, não posso receber com bolos e bebidas, mas valem os votos que recebo por telefone ou no Facebook e este é meu maior presente, minha grande festa.
Que me perdoem pelo que fui e sou meus inimigos, e que me amem pelo que fui, sou e serei, meus amigos. E que todos, dos dois lados, me queiram sem inveja porque não sou mais do que uma cópias de todos, e que sou feliz
Hoje aos setenta e dois anos de idade bem vividas, tenho uma companheira, tenho meus bichos e todos os que existem no mundo, meus filhos, meus netos e parentes, tenho o verde dos vegetais com quem converso, tenho meu pedaço de terra mesmo que no lar envelhecido, tenho Deus no coração, e tenho meu tesouro vivo, que são TODOS VOCES.

Jorge Machado Curvello.


quarta-feira, 10 de abril de 2013

BENEFÍCIOS E MALEFÍCIOS DO DINHEIRO NA VIDA HUMANA


Diz o ditado que dinheiro não traz a felicidade, mas ajuda a comprar e esta é a parte mais verdadeira. Com ele sempre temos amigos à nossa volta, crédito para tudo (até oferecido ou mesmo impingido), possuímos o que desejamos em bem material, compramos status e reconhecimento para tudo. Porém mal se perde o poder aquisitivo e tudo se esfuma como por mágica, restando-nos apenas a desilusão de termos sido enganados.
Ele não tinha nada, cresceu sem nada ter, mas venceu e conseguiu mudar de lado, passando do precisado para o bem sucedido, morando então no andar superior, o dos bem favorecidos. Conseguiu um emprego que mesmo sem ser rico no banco gozou dos privilégios de milionários ou se diria até melhor do que eles porque podia ter tudo e de qualquer lugar do mundo, bastava querer. E foi então que sentiu o benefício que trás a vil moeda, sentiu se achegarem os amigos, fez novas amizades e de uma hora para outra, deixou de ser esquecido, para ser procurado.
 Sua carteira nunca se fechou para pagar contas suas e dos que o rodeavam, sua caneta trabalhou em talões de cheque em empréstimos e outras serventias ao necessitado e seu cartão de crédito de bom limite, nunca ficava guardado após uma rodada em mesa de bar, boate ou restaurante. Não era o rei, mas assim era respeitado.
Portas se abriam à sua passagem, gente se vergava em gentilezas mentirosas somente por lhe saber capaz de pagar, comprar ou ajudar enquanto outras sorriam para lhe mostrar falsas amizades.  Mas o mundo roda e a roda viva levou sua fortuna, seu status, seus créditos e com isso todos os amigos e parentes e ele hoje mendiga favores sem encontrar quem lhe confie créditos mesmo que os possa honrar e assim mesmo se consegue alguém vem acompanhado de cobranças e fiscalizações que tolhem a liberdade e avança na privacidade porque quem empresta, não doa e teme não ter de volta.  Amigos com o esses são raras exceções, mas existem.

Dinheiro não compra a felicidade, mas pode comprar, o que não se pode ou se pensa em ter e viver sem ele em um mundo onde ele se tornou primordial se tornou impossível desde os tempos da velha Bíblia Sagrada.. O mundo mede você pelo que você tem, mas não pelo que você vale.
 Poucos são os anéis que ficaram nos dedos murchos da mão chamada amizade em quem vida afora sempre pensou e se condoeu dos demais mesmo sem se deixar explorar e hoje ele, envelhecido e se sentindo sozinho com seus problemas, tenta aprender a dura lição que a vida ensina, sem revoltas ou temores, mas entendendo outro verdadeiro ditado que diz:: Quem dá o que tem, a pedir vem.

Por Jorge Curvello, uma dessas vítimas.

domingo, 7 de abril de 2013

MARIA DAS MERCÊS

 

O nome por si só dizia, aquela que vivia para ajudar, fazer benefícios, nem que isso viesse a lhe prejudicar. O nome de fato era Maria das dores, outro prejuízo para quem espera não sofrer vida afora, mas até então Maria era feliz.
Ela vivia em um apartamento confortável mesmo não sendo grande, em prédio de dois por andar no Andaraí. Era aquele apartamento dos sonhos, aquele que se luta para conseguir e se consegue, aquele que traz a paz e a felicidade por dentro e por fora e Maria era feliz, casada há dez anos com Jair, um homem trabalhador, desses que somente vive da casa para o trabalho e do trabalho para casa, não gostava de beber mais do que social, fumava pouco e sempre separado, um tipo de macho sarado, de boa altura e cabelos aloirados fugindo ao ruivo, pele clara em tipo de mulato misturado que disfarçava o sangue negro e quente correndo nas veias. E Jair tinha um amuleto de estimação, uma medalhinha sem cópias cunhada pelo pai e dada a ele para proteção, virilidade perene, e sorte com as mulheres. E Maria não tinha do que se queixar da atuação na cama, sempre viril, pronto a qualquer hora, com a coisa boa que entrava sem machucar porque como ela classificava, parecia borracha dura, mas maleavel. Enfim Maria estava com tudo e nunca prosa, simples, arrumando os cabelos quando tinha que sair, botando leve batom, um pouquinho de rouge perfumado (coisa antiquada), usando sempre vestidos de tecido leve, mas sem ser colado ao corpo, enfim uma mulher comum, ou quase.
Sua vidinha era acordar, passar o café para seu homem, verificar se a roupa dele de trabalho estava limpa e bem passada, dar beijinho à saída da porta na despedida diária e depois, barba, cabelo e bigode nas tarefas do lar. Pela tardinha meio exausta se sentava para ver o vale à pena ver de novo da plim plim , arranjar o jantar e tomar aquele banho para quando seu homem chegasse estar perfumada e limpa, uma esposa cuidadosa. Ah, e como Maria era feliz.
Um dia, no supermercado cruzou com Creuza, morena fogosa, de ancas balançantes e seios ajustados, anéis espalhados nos dedos com unhas feitas e pintadas de vermelho, brincos em argola sob mechas de cabelos tratados e negros, pulseiras nos pulsos, enfim uma morena do tipo cigana Esmeralda do filme Corcunda de Notre Dame, e para as invejosas, uma árvore de natal fora de estação.  Deu-se então aquele olhar, aquele sorriso rápido, aquele cumprimento educado e polido e ambas foram às compras, saindo quase juntas em dois caixas vizinhos para na rua que era a mesma do apartamento de Maria se dar então a descoberta que Creuza era a vizinha do lado, a única do pequeno corredor que desembocava no elevador do prédio de seis andares.  Nascia ali a amizade de porta colada.
Em um final de sábado monótono de subúrbio junto com Jair terminando de ver o Zorra Total, Maria falou despreocupada.

--- Amor... Amanhã teremos uma visita para almoçar. Convidei a nossa vizinha aí da porta ao lado, mulher direita, sossegada, caseira e que mora sozinha junto com um gato, pelo que ela me falou.

Jair fez que sim com a cabeça e continuou rindo do quadro alegre do programa, somente parando de rir quando o programa acabou, foram os dois para a cama e ele a cobriu com tudo, até seu peso, antes de pegar no sono sem roncar, um privilégio a mais do macho de Maria.

No dia seguinte, domingo de sol, por volta das onze horas da manhã a campainha da porta tocou e Jair, de pijama listrado sem nada por baixo, deixando ver o volume do cacho balançante, cabelos desarrumados como era de hábito, largou o jornal no sofá e se arrastou para abrir a porta, dando de cara com Creuza, a morena tipo Esmeralda do filme clássico, parando ali de boca aberta.  Encantados seus olhos não sabia se paravam nela em cabeça tronco e membros, com demora nas ancas e nos seios, ou se por praxe dizia “bom dia”, como vai, entra por favor.  Dos fundos da cozinha veio Maria das Mercês enxugando a mão com um pano de prato limpo, sorriso no rosto alegre e muita boa vontade para esbanjar.

--- Oiiii,..  Entra Creuza, mas não repara a bagunça.

Creuza entrou sorridente, olhou e procurou a bagunça na casa arrumada, menos pelo jornal de Jair solto desfolhado sobre um sofá, deu um passo à frente, cruzou beijinhos na face com Maria e depois, somente depois, estendeu a mão para Jair no singelo e devido “muito prazer”.

O almoço foi super divertido, galinha ao molho pardo, arroz, salada verde, vinho do bom e a cerveja de Jair que ilustrou a sala com o brilho dos dentes alvos em mais de mil sorrisos e afabilidades, um gentlemam divertido e servil que ajudava Maria nos serve serve e assuntos de mesa.  E depois foi aquela tarde maravilhosa.

Seis meses se passaram e daquele almoço para frente Creuza foi só, bom dia, boa tarde ou boa noite, dependia da hora em que Maria ou Jair cruzava com ela no prédio ou na rua, vizinhos que se respeitavam e nada mais.  Porém Jair já não era mais o mesmo para Maria, vivia se ausentando muito de casa, inventando mil desculpas nos atrasos para o jantar ou sempre mostrando vontade de nos finais de semana ficar em casa quando ela ia a missa ou ladainha da igreja, embora na cama, comparecesse sem máculas. Mas lhe faltava agora algo sempre presente em seu pescoço, à medalhinha cunhada dada pelo pai falecido que Jair disse que perdeu.
As diferenças do marido eram tantas que um dia Maria suspeitou, teve um sonho chato onde Jair lhe enganava, mentia e fazia sofrer, e a partir daí começou a cobrar mais do marido que sempre saia pela tangente deixando Maria com remorsos, lhe dizendo que era injusta com ele que sempre foi para ela como o Salve Jorge da novela das nove, justo o Tell sempre enrolado com mulheres, nunca herói, mas molenga e sempre levando as sobras.   Ele tanto fez que Maria acabou indo se confessar, comungar e de hóstia ainda colada ao céu da boca rezar pra santa de fé e prometer que jamais voltaria a desconfiar de Jair.
No prédio, Creuza continuava a mesma, pouco aparecendo no corredor, ou na porta do seu ap, pouco sendo vista no mercado, ou se quer no bairro, uma mulher a prova de todo respeito e pudica e foi para ela que Maria, ainda dentro de suas desconfianças traindo sua jura foi se queixar, escolhendo uma tarde sem sol durante um cafezinho sentada no macio e fofo sofá da sala da amiga para abrir seu coração de mágoas, até quando o café acabou no bule e Creuza se levantou para ir buscar mais na cozinha, deixando Maria procurando seu lencinho de seda porque seus olhos ardiam de lágrimas. Foi aí que ao procurar o lenço no sofá seus dedos tocaram algo frio, pequeno, de metal e ao puxar da dobra a coisa, deu com a medalhinha cunhada de Jair.
O choro secou nos olhos, o soluço empacou na garganta, à vontade de tomar café desapareceu e quando Creuza voltou trazendo o bule Maria já não estava ali, estava em casa caída em sua cama desfeita chorando um rio de angústia.
Quando Jair chegou, ela, de mansinho o recebeu, deixando ele a beijar na testa como sempre fazia, ir tomar seu banho cantarolando a velha canção de sempre, sair se enxugando respingando o chão encerado da sala e ir a procura do pijama no quarto, a peça estendida arrumada sobre a cama. E lá estava sobre ela a medalhinha cunhada limpa e reluzente do brilho dado por Maria, um recado que somente burro não entenderia e Jair pareceu o animal de quatro patas voltando com a medalha na mão para a sala, já vestido no tradicional pijama listrado, sorridente a exibindo.

.--- Você a encontrou querida? Onde é que estava?

Quanto cinismo, ela pensou. Então Maria mentiu, disse que achou no quarto embaixo da cama, levantou-se e foi servir o jantar. Mas no dia seguinte, uma terça feira, quando Jair telefonou dizendo que deveria chegar mais tarde para jantar ela não reclamou, mentiu que iría ver a mãe em Caxias e que ele tomase o tempo que precisasse fora, fez duas malas e as deixou escondidas na casa do zelador do prédio sob favor, indo depois ficar na tocaia longe dos olhos do marido.
Passava das vinte e duas horas quando Creuza de camisola vindo atender a campainha de sua porta não entendeu vendo uma mala deixada ali com um bilhete grudado que dizia.

--- Comeu da carne querida, agora roa o osso.

Ainda menos ao botar para dentro  a mala, abrir e ver ali toda a roupa de Jair que ainda nu deitado em sua cama a esperava para completar o sarau.

Mais tarde Jair ao entrar em sua casa também não entendeu a bagunça, a falta de tudo na cozinha, no banheiro,  no quarto, os móveis danificados, e surpreso com Maria ausente  abriu o bilhete preso na porta da geladeira vazia.

-- Fui amor, fica feliz com a sua medalhinha. Ela pelo menos você ainda tem.

No Andaraí ninguém mais soube do paradeiro de Maria das Mercês, mas há quem diga que em Caxias uma mulher viva bem com a mãe, estudou depois de velha e se formou, entrou para um partido político e foi eleita vereadora, passando a ganhar os tubos e ter quantos homens queria, todos sem medalinhas cunhadas. E que essa mulher se chamava Maria das Mercês.

Por Jorge Curvello