domingo, 4 de setembro de 2011

UMA NOITE (QUENTE) NO SÓTÃO DISCO CLUB

                               






        Na velha galeria Alaska dos anos setenta a noite fervia. Era jogador de futebol, piranha, patricinha bêbada, garota de programa, gays de todas as classes e atrevimentos, garotos de programa, músicos, artistas de TV e cinema, donos de grandes casas de turismo, comerciais, presidentes e diretores  gays de grandes empresas, enfim a mistura da fina flor da cidade maravilhosa noturna, gente toupeira, morcego ou mariposa que somente gosta de sair à noite evitando a luz do dia e as olheiras ou papuças. E por lá existiam abertas ao atrevimento da frequência pública os bares da Atlântica, os botecos pé sujo de dentro da galeria , cinema, teatro e logicamente sem poder faltar, uma das mais famosas discotecas da época, o Sótão Disco Club, uma casa noturna dirigida por Manelzinho, animada pelo super dJ Amandio e que tinha como porteiro um ex-detetive da polícia civil, o apelidado Carecam uma casa diferente da Alaska dos anos sessenta aonde os play boys chegavam de lambreta e corrente na mão e pessoas de bem fugiam da frequência diante de suas balburdias a Alaska mais  “civilizada” abrigava essa gente que vinha a pé de casa, de táxi ou chegava nos carrões que escondiam a distância nos estacionamentos da calçadas  para ninguém saber de seu poder aquisitivo, e sem multas porque ainda o Rio de Janeiro era de todos e não somente da prefeitura.
        O Sótão era uma discoteca Gay, destinada a homossexuais e simpatizantes, os donos eram gays, o gerente também e a assim era o chapeleiro, o rapaz (outra biba) encarregado de guardar casacos e bolsas na imitação de casas noturnas do estrangeiro. Ali trabalhando somente os garçons eram heteros e as noites do Sótão eram sempre animadas, de segunda a segunda sem fechar, sempre bem e  mal freqüentadas, mas sem distinção a não ser no salão onde, alguns freqüentadores mais abastados criaram uma área que foi apelidada de área das “douradas”, bonecas comissários de bordo que viajavam e vivam afrontando com bolsas Gucci, ventarolas japonesas, e uma sorte de privilégios que os pobres costumeiros, os apelidados de INPS (INSS) ou freqüentadores da outra área no lado oposto do salão, não tinham. E eram assim consideradas, douradas e INPS, as áreas de separação.
        O salão era para todos e na hora de sacudir o esqueleto ou mostrar volteios de dançarinos profissionais sem ser, todos eram iguais, menos os verdadeiros bailarinos dos Dizzy Croquetes que ali também se misturavam aos demais sem ostentação. E no meio do salão aconteciam as pegações, ou então com “Douradas” fazendo incursão no INPS e levando o garoto ou falso macho para sua área onde os do baixo mundo do INPS não podiam pisar ou eram enxotados.
        Um ponto bem curioso era a boca do guarda casacos, sempre freqüentada por “olheiros”, aqueles que queria ver quem chegava para poder “pegar” primeiro, já entrar no salão acompanhado e fazer inveja aos demais. Ali era também o ponto das fofocas e informações, de se saber da vida alheia ou do acontecimento da véspera, bem divertido era então aquele local.
        Era tempo de se dançar como John Travolta em  Saturday Nigh Fever e o gostoso ritmo Hustle imperava,  então com douradas e INPS dançando todos juntos na coreografia de linhas, não sem por algumas vezes acontecerem cutucadas e empurrão das “finas”, querendo aparecer na frente dos “pobres”, porém sempre melhores dançarinos.
        E quem liderava o Rank do sucesso era Odete Bacalhau, rapaz de corpo bonito, vestido a maneira de índio apache com uma peruca de cabelos caindo abaixo dos ombros e faixa na testa, bolero florido no busto seminu e calça jeans com dois cintos, um para segurar e outro como enfeite caído de lado, mas bom para garantir algumas lambadas em caso de porrada. E Odete inventava “show” de dublagem musical em voz de homem ou de mulher, fazia performances no salão ou mesmo no teto sobre as vigas, sempre aparecendo de surpresa em conluio nem sempre permitido com um garçom e o DJ, até com iluminação especial. E houve uma vez que ele apresentou uma performance de Ângela Maria cantando Babalú, com direito a armação de despacho na pista e tudo, e outra ainda da índia lírica Yma Sumac, e se precisava ver os trajes que ele inventou. Mas Odete odiava se pintar de mulher, vestir de mulher, parecer mulher nessas performances, era mais andrógena do que tudo e vencia, para horror das douradas invejosas, principalmente quando no final das performances, diante da platéia ensandecida tirava fora à peruca que muitos pensavam ser cabelos próprios e provocava aplausos e urros da bicharada.
        Mas havia outros sucessos inesperados como “Pingoleta”, apelido gay da rica filha de médico famoso, aeronauta dos bons, mentiroso melhor ainda e esnobe quando queria ser, havia Nery Rola (apelido gay), sacana de bom coração e que amava Odete Bacalhau mesmo havendo colocado no rapaz esse apelido por dizer que ele não usava desodorante, havia Mary Help, a bichinha franzina no corpo e na voz de mulher, safada, pegadeira até de guardião de cinema vazio entre gringos que com a amiga de Ronalda, um homossexual de corpo ágil e cabelos a black power dançava  pra cachorro e era bom na pegação de turista para e hospedar-se ambos no Copacabana Palace e depois ficar das sacadas mostrando ramalhetes de flores e debochando da turma que passava para o conhecido ponto de praia dos gays em frente ao hotel, a "bolsa de valores"  Essa dupla costumava quando “depressiva”, sair da boate em meio da noite para ir para casa tomar chá sentadas no chão e chorar as mágoas, maluquice de bicha.
        Os tipos mais bizarros ou apelidos mais estapafúrdios freqüentavam o Sótão, misturados a gente como presidentes da Shell, da Merck Medicine, da Kamel Turismo, artistas de  rádio e cinema, famosos em visita ao Rio de Janeiro, gente que já chegava aqui com  endereço e informação da discoteca. E não era para menos pelo bom serviço e música de primeira importada em primeira mão, lançamentos antes das demais disco house do Rio e São Paulo.
        No Sótão os michês (garotos de programa) tinham pouca aceitação, mas alguns apareciam e eram permitidos de entrar porque, fazia parte do serviço e quem desejasse encontrá-los mais fácil era só ficar lá fora na galeria. No sótão não era lugar de ficar sentado e sim sacudir, mesmo nas áreas das douradas que preferiam dançar ali espremidas e a se misturar a peble.
        Lá embaixo no pé da escada aveludada o Careca ficava dando sim e não a quem entrar, ou faturava em cima de quem dizia estar proibido de entrar pelo gerente e ele “aliviava”, levando grana do otário. Lá em cima a orgia fervia, eram corpos suados dançando ao frio gigantesco de um ar refrigerado gigante que congelava copo se deixado perto, o que quase nada adiantava devido ao calor humano dos corpos se movendo. Eram de fato noites quentes e inebriantes.
        Curioso era de ver que os banheiros eram sempre limpos, de sujeira, cheiro ou pegação, não se permitia beijo na boca no local, abraços de homem com homem ou mulher com mulher nem pau seguro em surdina ou era luz de lanterna na cara e espôrro de garçom. Só era permitido dançar, dançar e dançar.
        Não se deve esquecer uma garota que vendia flores, se fantasiava de holandesa e ofereci a rosas por um real, essa, quando dava uma louca, subia em palco improvisado e fazia performance de dublagem de óperas em rotação alterada, uma comédia e mais curioso ainda era que, se havia algum freguês exagerando no comportamento, logo mera organizado um jantar de honra na casa dos donos gays e a bronca vinha depois da sobremesa. No sótão era assim e viva o Sótão.
        Ela foi à rainha de nossas discotecas e nunca mais houve outra igual, nem o Alfredão onde dois gays casaram de véu e grinalda provocando fechamento pelas autoridades com alvará caçado, nem o Big Alls, que traduzido queria dizer Alfredão quando o dono abriu outra casa em uma galeria só para lésbicas no andar superior e  frequência misturada no térreo, e toma de Bety Faria, Maria Bethânia, Gal e outras duvidáveis sendo encontradas por lá. Foram noites memoráveis enquanto reinou as do Sótão Disco Club.

Por um freqüentador
             

8 comentários:

  1. descobri êsse blog no google e é incrivel como vc conseguiu descrever tudo o que acontecia nas noites do Sótão, Parabéns pelo relato.

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  2. esqueceu de falar das performances do grupo androgenous..eu fazia parte,mas nao vou te dizer quem era.Adorei o post!!!!

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  3. Pronto! Lá vai eu, quando fizer as minhas "caçadas" pelo saguão do aeroporto, ao me deparar com os comisarios pensar: "Lá vão as douradas!!!!!"

    Pior que na TAM só dá dessas "douradas" com cara de paulista, que deviam ser chamados é de "aguadas", isso sim.Tudo branquelo de cabelo preto. Dourado que é bom, nem na berimbela....

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  4. ADORAVA O SÓTÃO, AQUELE AR CONDICIONADO GLACIAL, DEPOIS SE SUAVA PENCAS... AQUELE PISO INOX QUE PODIA-SE DANÇAR E ESCORREGAR A VONTADE, O GARÇOM SEMPRE GENTIL O ROGÉRIO QUE FAZ UNS DEZ ANOS REENCONTREI POR ACASO NA BARRA, ESTAVA DE VISITA E MORANDO NA ANÉRICA, CARA SUPER DO BEM. GOSTAVA DO CARECA QUE IA COM MINHA CARA E ENTRAVA SEM PAGAR, CONHECI FRED MERCURY , NEY GALVÃO,CLODOVIL, SILVINHO, BETY FARIA E TANTOS OUTROS... VEIO A AIDS, AS NOITES FICARAM MAIS TRISTES, ANTES OS CHIQUES E PERFUMADOS, SUMIRAM UM A UM, TODAS MORRENDO COMO BARATA. O MEDO, A TRISTEZA, ACABOU O SONHO..... HOJE AQUELA COISA DE COLOCAR A MELHOR ROUPA E IR A UMA BOITE ACABOU... SE VAI DE QUAQUER ROUBA LAMBUZADA E RAZGADA E SE ACHAM CHIUQES E NA MODA..... POVO FEIO E SEM EDUCAÇÃO, SUARENTOS E PEGUENTOS... ISTO NÃO EXISTIA NA SOTÃO.... SAUDADES DEMAIS, E ORGULHOSO DE TER FEITO PARTE DAQUILO TUDO.... TINHA MEUS VINTE ANOS QUANDO FUI PELA PRIMEIRA VEZ E A ULTIMA EM 90 QUANDO ACABOU AGONIZANDO... PASSOU FICARAM SOMENTE AS BOAS LEMBRANÇAS...

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  5. Gostaria de saber onde posso adquirir os discos do Sotão, sou de Curitiba, mais frequenta e muito o Sotão conheci muita gente interessante, adorava aquelke lugar , que saudades

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    1. Vai aqui a resposta e um pouco tardia, mas quem sabe vc pega.
      Meu e-mail é arlindoduplo21@gmail.com
      Manda o seu e logo vai ter um DVD com várias daquelas musicas que Amandio tocava.

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  6. Adorei a descrição, realmente igual ao *Sotão, nunca mais curti muito desde 1981 a 1985. O segurança careca,. era maravilhoso, jamais cobrou o meu ingresso. O saudades dessa época maravilhosa !!!

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  7. Adorei a descrição, realmente igual ao *Sotão, nunca mais curti muito desde 1981 a 1985. O segurança careca,. era maravilhoso, jamais cobrou o meu ingresso. O saudades dessa época maravilhosa !!!

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