terça-feira, 24 de abril de 2012

NOITES QUENTES DE COPACABANA

     

Somente quem viveu pode dizer do que viu, fez ou viveu as noites alucinantes de Copacabana em anos de revolução juvenil, os anos sessenta. Somente quem conheceu nuances proibidas, mas nem sempre encobertas (ou descobertas?), seus vícios levados pela influencia do modernismo, suas mentiras faladas ou juradas, suas alegrias traduzidas em bebida, novas drogas, liberdades, as dores do arrependimento tardio, da morte encontrada na busca da vida alucinógena, das doenças nunca antes proliferadas com tanta facilidade, das conversas e música, quer em bares, boates, ou sob luzes mornas de abajur e onde tudo era possível acontecer, das orgias sobre os tetos e interior de automóveis calhambeques ou importados aos brados de “Todo mundo nu”, casais enlouquecidos em orgias noturnas nos areais desertos  das praias cariocas em pleno calor da noite de verão. Somente quem viveu. os anos da famosa e depravada galeria Alaska, do Barril 1800, do Beco das garrafas,  da boate do Cauby, do Alfredão ou do inferninho da velha sapatona francesa da Rua Duvivieur, dos corredores estreitos e apartamentos conjugados mais ainda do famoso prédio 200 da Barata ribeiro,  Ah quanta orgia, quanto cabaço estourado, quanto homossexualismo revelado, coisas que os anos anteriores brasileiros guardavam em segredos de sete chaves sem contar.
Das calças antigas de linho ou algodão, agora era os brins surrados, grossos e rejeitados pela sociedade, dos sapatos fechados e usados engraxados e com meias agora era o mocassim ou converse de lona, dos cintos finos e simples que serviam apenas parta segurar a roupa, mudou para cinturões de ilhoses, grossos e pesados que tanto era para servir como para armar alguém,  anos novos onde as camisas de linha ou tecido mole foram substituídas pelo nylon cor de vinho e o tergal multicor, nas cores ousadas e nas listras do estampado,  anos do canivete escondido, das correntes, das brigas e confusões de jovens querendo ter domínio.  E como choravam ou lamentavam os pais.
E Viva Elvis, Little Richard e Elis Regina e James Dean.


E o cigarro virou moda na boca da juventude, o álcool substituiu os refrigerantes e os psicotrópcos antes usados como remédio, agora era diversão, motivo de alucinação, ajuda nos sonhos de quem sempre sonhou com liberdade e se sentia castrado. E o sexo corria livre, na cama dos hotéis, nos areais das praias noturnas, nos assentos dos automóveis e nem sempre íntimo ou reservado, sexo com ou sem consentimento  na onda da violência, do estupro nem sempre com final  feliz. E adeus à vergonha, a obediência, a moral e a ordem e o progresso que não fosse o rock-n roll, pega de automóvel, chicletes e ouriço (farra).
Na marginalidade ou inexperiência jovens se prostituíam pelo prazer de se sentir na onda, rapazes e moças servindo a velhas mentes corruptas que deles se aproveitavam na criação de especiais logradouros de diversão noturna.  E viva o Tannys Bar e suas matinês na Rodolfo Dantas, e viva o Beco das garrafas e a bossa nova, e viva o homossexualismo, a permissão do beijo entre sexos iguais, as alcunhas do entendido ou sapatão acusando aqueles que gritavam por liberdade de ação e expressão. Fora do olhar dos pais tudo podia acontecer nas noites quentes de Copacabana, dentro das boates, de apartamentos, de hotéis ou motéis, dos carros parados no escuro, nas ruas em vielas desertas onde a aderência era enorme daqueles que por imposição viviam outras vidas. E viva as turmas da Miguel lemos, da Bolívar, do Meyer e  do Leblon, e viva os canivetes abertos e as correntes nas mãos, e viva depois, os hospitais ou as grades de uma prisão, e viva os quebra quebra em cinemas do Meyer a Madureira.
Nas ruas de Copacabana saídos da vergonha velhos homossexuais caindo aos pedaços na tosse da bronquite depois que a cidade dormia saiam às ruas a caça do suburbano caçador de dinheiro, garotos inexperientes que se transviava. E se deixavam levar por alguns trocados para acabar mais tarde na mesma prostituição, hoje lindos michês, amanhã jovem entendido. Garotos de pinto duro em vitrines de calçadas que tanto podia ser original por baixo da calça de jeans ou apenas rolo de papel higiênico para atração. E viva a calçada do cinema Roxy depois da ultima seção, e viva o Buraco da Maysa, um estacionamento do centro da cidade. E nas Galerias, Alaska ou da Sá Ferreira, garotos beijavam boca de garotos que beijavam outros garotos e garotas beijavam boca de garotas no deboche a quem olhava, tudo isso na troca da revolução sexual mal estruturada, E como eram dóceis aqueles meninos e belicosas essas novas divas do sapato?
E na famosa Alfredão, templo de Baco gay a bicha feliz se casa de véu e grinalda com a ajuda de um padre trapaceiro, rendendo fechamento da casa pelas autoridades conservadoras e cadeia para a boneca. E viva o delegado Padilha e  o seu  famoso limão que se não escorregava na roupa de alguém até o chão fazia a perna  da calça ser cortada a canivete.. E na garganta do jovem o grito de independência e nos olhos dos pais as lágrimas e em suas gargantas o... Onde foi que eu errei? Pobres pais e mães, pobre juventude.



Um Ode a primeira boate entendida no RJ, a Sunset  e a mais famosa, a La Cueva, assim diziam seus amantes e fregueses, Ode para as seguidoras Sótão e  Lê Boy, mais novas e  que vararam os anos revelando a fina flor da nova geração gay, revelando a nova aparição humana, os simpatizantes homens e mulheres, heteros dizem que não convictos, mas sim trancados no armário.


Jaqueta de couro ou nylon colorida, calça jeans, de perna virada como cano de bota, blusas listradas, e ali estavam os novos tipos do Brasil que imita, do Brasil que mudava, do Brasil aonde hoje chegamos que parece mais terra de ninguém.  E viva onde tudo começou, viva as noites quentes de Copacabana.


                                                 Por J M Curvello

sexta-feira, 20 de abril de 2012

VIVA A AVIAÇÃO _ DA SÉRIE, COISAS DA AVIAÇÃO



Aeroporto de Lambert, Saint Louis, Missouri, duas da madrugada.  O vôo 3445 da Alegheny Airlines estava pronto para decolar na cabeceira da pista esperando ordens da torre de comando. O tempo estava bom até Chicago seu destino final do vôo sem escalas. A bordo com mais trinta e sete passageiros no Convair CV-340 o co-piloto estava contrariado, seu filhinho estava preste a nascer e ele não podia estar presente no parto da mulher porque a obrigação o chamava. Um pouco atrás sentado em sua cadeira o rádio operador bocejava, homem solteiro na velhice achando uma merda ficar em casa e outra ter que voar, sem sabem da vida o que mais queria e, na esquerda, envergando orgulhoso o uniforme de vôo sem o paletó o comandante do vôo, soberbo, olhava os controles esperando a ordem de acelerar aquele avião.  Não havia mais aviões se movendo no aeroporto no frio da madrugada, somente o Convair na escuridão da cabeceira da pista e o céu era de brigadeiro, como eles chamavam um céu sem nuvens sobre Saint Louis.
Na cabine de passageiros, sentada como tal, uma moçoila nervosa que a toda hora checava o relógio medindo o tempo que a separava em Chicago e de se apresentar na base de Chicago da Alegueny. Uma aeromoça recém formada e saindo de casa definitivamente para a nova vida ela somente tinha sonhos na cabeça jovem.. Quando o avião começou a correr na pista ela olhou para fora vendo as luzes do aeroporto irem aumentando de velocidade para trás e a pista se tornando um borrão iluminado pelos faróis do avião. Foi então que ela viu algo passar voando para a lateral assim que o avião deixou o solo, algo que diminuiu rapidamente de tamanho conforme na velocidade da subida a máquina se elevava.  Sacudindo a cabeça ela pensou ser aquilo um animal e fechou a janelinha.
Em um entroncamento das auxiliares de rolamento o homem barrigudo estacionou a pick up com o logotipo da limpeza do aeroporto e se dirigiu a pé para a lanchonete dos empregados situada perto dali em um galpão, deixando o carro sozinho no escuro Antes de empurrar a porta giratória ainda ouviu o ruído do Convair decolando na pista 05, fez um aceno como se desejando uma boa viagem ao vulto escuro se elevando para o céu cheio de luzes piscando e foi comer, se esquecendo dele. Perto de meia hora depois ele voltava para a pick up e via espantado um pneu de avião caído perto dela retido por uma canaleta de escoamento de água, indo pegar e botar na carroceria praguejando.

--- Merda de pessoal da mecânica... Estão sempre largando o lixo deles espalhado por aí.

 E ele seguiu dirigindo o carro com entulhos que deixou em um hangar esperando os homens do recolhimento.

Uma hora e quinze depois o avião voava alto sobre coesos blocos de nuvens prateadas pelo luar com algumas elevando picos arredondados como montanhas de sonho, a bordo a refeição havia sido servida e os passageiros se distraiam lendo ou dormiam, menos a mocinha nervosa que continuava consultando o relógio na ansiedade de ver aquele avião pousar para seu belo futuro. Sempre quis ser aeromoça mesmo contra a vontade dos pais que diziam não querer ver a filha virando churrasquinho em acidente, e agora conseguira realizar o sonho fazia quinze dias depois da formatura na escolinha da Alegheny em Saint Louis..
Uma hora e cinqüenta e cinco minutos depois da decolagem daquele avião um chefe de turma do serviço de recolhimento de lixo estranhava o pneu de avião no meio dos containeres e chamava o homem da pick up que disse como encontrou o pneu, O chefe de turma chamou então o setor de mecânica para recriminar, mas de lá ninguém conhecia tal desleixo e garantiam que ninguém andou com pneus nas imediações de onde aquele foi achado. Então ele chamou a direção do aeroporto e explicou o fato e um inusitado movimento começou. De quem seria aquele pneu e o que fazia ali em local tão impróprio.  O Substituto do diretor chamou a torre e quis saber das decolagens entre meia noite e o horário do achado e a torre informou que somente o CV-3445 havia levantado vôo. Com a mão na cabeça o homem falou.

--- Que Deus diga que estou errado, mas acho que o pneu encontrado pertence aquele avião.

Foram feitas medições por técnicos imediatamente chamados e se constatou pelo ângulo do pneu vindo da direção da 05 para perto da pick up estacionada que ele podia pertencer ao avião da Alegheny e a suspeita virou fato, o CV-3445 voava agora com menos um de seus pneus e estava, sem saber disso, a minutos de aterrizar.

No avião o co-piloto recebeu o aviso da suposição e informou não terem sentido nada anormal na guarda dos trens de pouso, logo era o comandante que falava com a torre que informava pela análise executada no pneu, que o paralelo a ele deveria estar no lugar, mas sem garantias de fixação porque junto ao pneu encontrado havia ferro do trem de pouso.. Pouco depois uma moçoila entusiasmada pedia para ver a cabine de comando na hora do pouso e o colega comissário lhe disse que não seria possível porque era fora das normas e ela brincou com ele dizendo.

---- Ora colega,, fora da norma é ver bezerro ou cabra correndo por debaixo do avião na decolagem.

A partir da brincadeira ela se viu diante de um comandante suando que quis saber direitinho a história do bezerro e saiu a pedido do homem sem saber que estava com a vida ameaçada porque aquele avião teria que pousar sem os trens de pouso.

Logo a seguir o estranho diálogo entre o avião e a torre de denver.

--- Quem pode garantir que o pneu é do meu avião?

-- Ninguém, mas somente ele decolou na madrugada em tempo de deixar o pneu onde foi encontrado.

--- Mas como se aqui nada mostra anormalidade nos comandos hidráulicos?

--- Pode ter sido somente um dos pneus, mas o outro está comprometido, pode apostar nisso.

--- Mas não vou pedir emergência a Chicago sem ter certeza da avaria.

---- Bem comandante isso é lá com o senhor. È o responsável por essas vidas ai em sua jaca.

Segundos de silêncio e o comandante volta a falar.

-- O que aconselham a fazer?

--- Pedir aproximação, falar do possível problema, voar em rasante para observação visual externa e depois, é pista normal, ou com espuma.

--- Mas, se foi só um pneu eu posso pousar usando o que ficou.

__ E se ele se soltar?

 --- Não deve soltar, tem segurança para esses casos.

--- Novamente fica com o senhor, Uma barra de ferro do eixo principal foi encontrada com o pneu que está concosco.

O homem coça a cabeça, suando muito e lá está a torre de Chicago pedindo para ele se identificar.

O problema é explicado, outros aviões são afastados, voam em prateleira, e o CV-3445 ganha prioridade no pouso e vai usar a pista maior. Se no vôo para observação externa visual for constatado a menos um pneu nos trens do avião, então é pouso de barriga.
. A bordo os comissário já se preparam para a situação de emergência e a moçoila estreante é convidada a ajudar, vai ficar com a porta da traseira porque com dois comissários apenas na tripulação alguém vai precisar tomar conta das saídas laterais da janela. Ela começa a se arrepender de ter querido tanto voar.

Duas horas e dez depois da decolagem em Lambert o Alegheny CV-3445 passa voando rasante com os trens baixados, por uma pista vazia do O´hare em Chicago iluminada por holofotes e alguém entre os bombeiros e mecânicos de prontidão embaixo grita apontando para ele.

-- Porra, está mesmo só com um dos pneus no trem da esquerda.

Uma pista é coalhada de espuma deslizante e lá vem o convair na luz do amanhecer, voa baixo e com velocidade super reduzida que ameaça fazer o avião estolar, mas tem que ser assim. No bojo passageiros rezam e se apertam nos assentos e uma moçoila mais nervosa do que nunca, sentada em um assento de comissário segura uma maçaneta para girar caso aquela merda pegue fogo.  Logo, mas visto pouco pela luz do amanhecer a pista fica grande, branca de espuma, o avião desce, parece que vai se espatifar bate no asfalto com a barriga e faz muito barulho, quica e faz de novo, vai para frente a uma velocidade maior do que seria em pouso normal, cria fumaça, esparrama espuma, mas fogo não aparece e em ruído infernal que vai diminuindo ele pára longe de onde tocou o solo e as portas são abertas, escorregadeiras de lona caem delas e começa a evacuação.
Os primeiros raios de sol em terra com neve batem no rosto de uma garota loura cabelos curtos e ela olha de dentro de um jipe a figura do CV-3445 parada cercada de bombeiros garantindo sua existência.  Para ela, foi batismo de fogo, para o co-piloto, a folga que esperava porque vai voltar voando de carona para sua mulher parideira, para o rádio operador mais uma aventura para contar para ninguém e para o comandante, brios e méritos por salvar mais de trinta e sete vidas. E viva a aviação.

Conto de Jorge Curvello




quinta-feira, 12 de abril de 2012

MEU ANIVERSÁRIO



Hoje é dia do meu aniversário... Parabéns...parabéns... Mas que coisinha chata, demodê, e que vem se repetindo ao longo de várias gerações, uma coisa teimosa, que o mundo todo em todos os idiomas repete, mas me enerva porque é apenas clichê.
Vamos pensar comigo, este ser estranho que sou e por me sentir e talvez ser diferente, enerva, culpa de quem não me conhece ou dá valor.  Desde o primeiro ano de vida fazemos aniversário e na infância agrada este clichê... Parabéns pra você... bla bla bla... Isso porque estamos atentos aos doces, bolo,e aos presentes. Na adolescência alguns curtem os amigos de fé, depois de adultos, fica a repetição e na velhice, o aceite.
Mas o que são anos de vida senão experiência e descobrimentos? Aos mais atentos registra-se as adversidades, sofrimentos, venturas e outras coisas do mundo racional e quando atingimos acima dos setenta começamos a deixar de lado tudo àquilo que antes nos empolgou. O sexo cai, a resistência também, a vontade de estar no convívio dos vivos só existe em alguns, e penso que o final é o despego, o aceite ao que vamos fazer depois que o coração parar de bater e o cérebro apagar, uma nova existência que nem sei qual é ou como será.
Aos meus setenta e um anos de idade não sei se acontece com todos, mas já não dou mais valor a muita coisa e o que quero é acordar me sentindo de bem com a vida, com saúde, levantar e começar um dia novo de trabalho braçal como exercício, mental como cura, prazeres novos que são indescritíveis, enfim a velhice que é divina para quem a aceita e não se revolta, mesmo vendo o corpo definhar e enfeiar, isso porque a matéria já não é o principal, o cartão de visita, mas sim agora o é, a mente;
Setenta e um anos de vida, esperando atingir aos 105 porque desta vida que Deus me  deu aempre amei o barato, o gratis, o que nunca cobrou para ser meu, inclusive, vocês que gostam de mim.

 Eu, o aniversariando

Jorge Curvello
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