O salão da reunião, um ralo abandonado e seco existente logo abaixo do piso do banheiro de uma casa habitada por uma família estava lotado com os representantes da fauna dos insetos, todos eles injuriados e reclamando contra a falta de ordem e vergonha reinante. Antes de começar a reunião o assunto geral entre eles era fofocas.
Um piolho graúdo comentava em fala miúda.
--- Eu ouvi dizer que vão acabar com todas as baratas.
Uma barata, ofendida, reclamou.
--- Acabar conosco porque se existe corja pior?
O piolho e o resto dos insetos quis saber perguntando em coro?
-- Pior que vocês, mas quem?
A barata, orgulhosa estufou o peito e não se fez de rogada.
--- Políticos!
Houve gargalhada geral e o piolho perguntou.
--- Onde ouviu sobre isso?
A barata fez suspense, mas depois revelou.
--- Na cozinha aí em cima, mas você, piolho, não vai gostar de ouvir.
O piolho ficou mais curioso.
--- Lá vem mentira. Fala logo bicho fofoqueiro.
A barata riu do insulto e contou.
--- Olha... O homem disse mesmo assim pra mulher em resposta a algo que ela falou; --- Ora meu bem, político é pior do que piolho, incomoda e não tem jeito, infesta.
O piolho calou e recolheu para um canto, mas a barata continuou nas bravatas.
--- Já nós baratas, somos de roer, ninguém consegue acabar conosco.
Uma pulga foi vingativa.
--- Então a comparação do homem foi errada, deveria ter comparado o político com as baratas.
A barata calou e um grilo, cheio de ouvir abobrinhas pulou no pódio bancando orador.
--- Onde está a corja de enganadores, cadê os nossos benefícios?
Uma barata cascuda, rara por quase extinção se levantou.
--- Devem estar passeando com suas madames, veraneando enquanto aqui nós nos estrepamos. Veja só minha situação de sem teto e quase aniquilada por extinção... E devo isto a quem, a quem?
Uma pulga miúda gritou para ser ouvida.
---Eu ando cheia de balelas, enrrolações, mentiras. Enquanto não fazem nada, o homem está nos aniquilando.
Uma centopéia rastejou cem passos à frente.
--- Eu que o diga, ontem mesmo escapei de uma boa. Quase sou atingida por querosene dando uma voltinha lá em cima
Um barata meio amarelada perguntou admirada.
---Querosene? É uma nova arma é?
A centopéia discordou.
--- Que nova arma que nada, é pura necessidade depois que os preços do aerosol disparou.
Uma barata vermelha macho perguntou.
-- Cadê o mosquito, porque ainda não chegou.?
Uma outra respondeu rindo.
--- Deve estar dormindo o safado. sabe como mosquito é, bateu luz, ele dorme. E além do mais, como vai chegar aqui neste buraco?
Ouviu-se uma voz fina, quase um zunido vindo da entrada do ralo.
--- Dormindo é o escambau,eu passei foi um perrengue pra conseguir entrar aqui. fecharam a entrada larga, os filhos da mãe lá de cima, e tive que me esgueirar caminhando, um sacrifício para quem tem essas pernas longas, e olha o estado em que ficou minha asa esquerda?
Um cupim, sempre quieto riu e comentou debochado.
---- Nossa... Arrasaram a asa dele. Vejam só que frangalho? Esse ai, por longo tempo não suga mais ninguém.
O mosquito devolveu a alfinetada.
--- Eu sugo sim, pode deixar comigo, mas quanto a você, cuidado que ouvi lá em cima... Ouvi que estão chamando o Jimo Cupim.
Pulgas, baratas, e toda sorte de inseto ali no ralo, tremeram.
--- Não podem, é chacina, alguém tem que fazer alguma coisa, criar lei, criar adendo, sei lá, mas algo que impeça ao homem dessa barbaridade.
O mosquito, ajeitando o que lhe restou da asa esquerda com a pata traseira replicou.
--- Acordem Alices do mundo dos insetos. Eles querem mais é que diminuam nossa população pra poder viver melhor na mordomia.
Uma barata francesa, cheia de sotaque se adiantou nervosa.
--- Ce n'est plus vrai... Isto é a mais pura verdade. Outro dia, quase fui esmagada por um chinelo e um dos nossos governadores pertinho de mim, nem me avisou, tratou de salvar a quitina dele e me deixou na reta.
Outra barata maior consertou.
--- A amiga fina aí quer dizer chinela, não é?
A “francesinha” de asas luzidias não perdeu tempo”.
--- Eu disse chinelo, e foi chinelo porque quem tinha na mão era um homem e homem não usa chinela, isto é coisa de mulher e mulher, antes de usar a tal “chinela”, grita e trepa em cadeira.
Todos riram muito concordando, mas o grilo pediu silencio.
--- Tai no que dá fazer reunião. O assunto é sério e vocês logo descambam pra gozação. Merecem bem o que sofrem.
Uma aranha, antes todo o tempo permanecendo calada escutando de um dos cantos do ralo deu o ar da graça.
--- É o que se esperava de uma sociedade tão fraca, desunida como são todos vocês. Não é por nada que viram comida nossa.
A barata vermelha, sempre temendo e odiando a aranha respondeu.
--- Fala assim porque tem oito pernas e não seis como nós, não pertence a nossa sociedade e está aí de X-9 talvez. Mas saiba que chinela ou chinelo, foram feitos pra você também e deles somente escapam aquelas suas parentes subdesenvolvidas que permanecem somente no domínio de suas teias.
A aranha se ofendeu.
--- Não pertenço a esta sociedade e nem sou hiper desenvolvida. Tudo isso é só na sua concepção querida, porque os lá em cima têm a todos nós como pragas e dependendo da cultura deles, até me chamam de inseto... Pode tal humilhação?
O grilo voltou a se posicionar inquiridor.
-- Bem, antes que como sempre nossa reunião descambe pra panacéia, o que vamos fazer?
A pulga foi a primeira a saltar.
--- Eu meu querido, vou achar depressinha um cachorro e me esconder nos pelinhos dele, de preferência vira lata de rua pra não ser catado ou borrifado. Como vê, sou esperta meu caro.
A sociedade de baratas, em coro adiantou.
--- Nós aqui da classe mais unida vamos dar um jeito e achar meio de não nos encontrarem. Quero ver os homens vencerem essa guerra que já começou faz milênios. Somos osso duro de roer.
Uma lacraia velha gritou.
--- Igualzinhos aos políticos dos homens. he he he he.
Moscas antes caladas responderam em coro.
--- Boa comparação
O grilo, querendo bancar o mais inteligente gritou.
--- Não devemos esmorecer. Acabo de pedir socorro às formigas.
A aranha riu de enrolar pernas.
--- Quais, aquelas branquinhas e quase invisíveis que adoram açúcar e esmagam ao menor toque de dedos? Faça me rir.
O grilo protestou.
-- Que mane branquinha que nada. Chamei mesmo foram os negões e vermelhões que botam para quebrar.
As baratas tremeram.
---- Quem, os cabeçudos? Agora mesmo é que ferrou com todo mundo. Breve isto aqui vai ter domínio e todos nós pra existir vamos ter que pagar pedágio e se mijar fora do penico, somos jogados na vala. Essa casa vai virar morro do Alemão.
O Grilo meio arrependido vacilou.
--- Mas quem era melhor chamar,. os cabeçudos ou as lavas pés?
A pulga riu de dar voltas.
--- Benzinho burro, acorda. Um ou outro é o mesmo prejuízo, a diferença só está no nome. Um vive as margens da lei, as outras são as que fazem as tais leis e os dois, vivem na mais completa simbiose.
Um gafanhoto ali por descuido se intrometeu.
--- E então, o que seria mesmo melhor. pelo que vejo vocês estão no mato sem cachorro.
A pulga deu uma de inteligente.
--- O melhor é todos aqui se compenetrarem do que são e porque são, deixar de ser idiota e perder tempo em votação que não leva a nada. Devemos é parar de dar contribuição à corja dos encostados e começar a botar ordem no galinheiro
Uma barata de ralo deu um gritinho.
--- Uiiiiii.... Não fala esse nome que me arrepio só de ouvir.
A pulga subindo em um cano amassado continuou o discurso, empolgada.
---- É como digo a todos vocês... Nossa sociedade precisa se fortificar, ganhar quorum, sair as ruas, digo, dos ralos, enfrentar o monstro de sete cabeças e botar pra correr. Um por todos e todos por um.
Devagar e sem a pulga perceber o ralo foi esvaziando e quando ela percebeu somente o mosquito de asa danificada estava ali. Assustada ela perguntou para ele.
--- Ué, cadê todo mundo?
O mosquito zuniu.
-- Fizeram o que sempre fazem, foram embora porque escutar verdade incomoda e preferem o comodismo. Não esquenta que daqui a algum tempo se reúnem de novo só pra repetir.
A pulga intrigada perguntou.
-- Mas e você, porque ficou?
O mosquito apontou com uma perna para a asa rota.
--- Ir pra onde se aqui está melhor. Lá fora a luz me cega, aqui estou protegido e com sorte aparece um ratinho cheio de sangue pra eu chupar. Se não aparecer, dou meu jeito. Sou mosquito brasileiro amiga e tenho jeito pra tudo.
Por Jorge Curvello