terça-feira, 28 de agosto de 2012

DE AMORES, ILUSÕES E PAIXÕES



De minha vida controvérsia recordo-me sem nunca esquecer, dos amores, ilusões e paixões que tive ao longo dessa carreira interminável enquanto dura,  que é viver. Acho que comecei cedo, ainda aos doze anos de idade e vivendo uma existência meio infantil, apaixonando-me por uma menina da qual somente sabia o nome e via a formosura, Vilma, sem jamais falar com ela. Linda ela me parecia em sua tez morena de índia, cabelos negros e olhos também, doce perfume nunca sentido, mas imaginado quando ao vê-la por mim passar. Um ano, dois? Não me recordo.
Depois apareceu Bilú, apelido de outra que nem sabia o nome verdadeiro, também morena tipo Dirá Paes, a atriz, menina bonita e namoradeira, que não comigo, mas por quem me apaixonei. Quanto tempo durou, não sei ao certo, mas foi longo o tempo, tempo de sofrimento de ver minha paixão passar sem me olhar ou se quer querer me conhecer. 
Anos e anos depois já crescido e mais dirigido dentro do que desejava para mim, apareceu Vera, linda, a cópia quase exata da garota propaganda Neide Aparecida.. sucesso nos anos sessenta (a garota propaganda), e essa eu peguei na mão dentro de um ônibus indo para o trabalho, marquei encontro para depois, aconteceu e a dominei a ponto de ser  serviu mais do que devia, louca que era ao me seguir, um perfeito transviado.  E no final de quase cinco anos me vi amando, não apaixonado, mas amando loucamente a quem era proibida para mim sem  eu saber, não por ela, mas por mim próprio em minha incertezas do que queria de meus sentimentos, de meu futuro, de minha vida no amanhã dos tantos amanhãs esperados. Mas como um doce que provamos em pequenas colherinhas, um dia o pote esvaziou e ela acordou, eu acordei, e a deixei por um futuro duvidável, ignorante de quem era ou queria ser, mas um lugar onde jamais morava a felicidade,  um futuro de liberdade perigosa e confusa, de pecados, sujeiras e descobertas.
Mas nunca do que fiz me arrependi, acabar com ela sentindo aquela dor no peito, devolver os retratos e cartas de amor, evitar seus caminhos, para melhor lhe esquecer.  E para ela, que também me amava, mas aceitou  o fim, a sorte não ajudou, se casou com um velho namorado, um drogado, teve um filho dele, um especial que no parto a fez doente, para sempre, herança de genes da mãe cujo parto também subiu à cabeça, ficou meio maluca, vadia, permissiva e desacreditada.
Após a Vera, não houve mais lugar em meu coração para o amor por longos dez anos, mas a paixão ilusória um dia me pegou e sofri por todos os tempos que nunca sofri me relacionando com alguém, apaixonado por um amor impossível de dar certo, coisa que ainda eu também não sabia.  Paixão suja foi aquela e doeu como fogo em meu coração até que acordando vi que eu não merecia tal sentimento me dominando, eu não era aquele que eu pensava ser, não queria aquilo para mim e consegui me curar, e a paixão doentia.
E foi assim que o destino para me castigar me fez encontrar com o meu primeiro amor e não primeira paixão quase vinte anos depois, onde eu já estava amando outra, alguém que acabou me levando para um altar. Nada senti por aquela moça feita mulher, a Vera que não era mais uma cópia da Neide Aparecida, ou de seu triste destino, mas me achei de certa forma um pouco culpado sim. Se eu tivesse continuado com ela, será que estaria como ficou?
Casado aos quarenta anos amei e fui amado no que de bom se amar merece, pude provar do doce desse sentimento como chupando a outra metade da minha laranja, uma mulher e tanto, uma companheira e tanto, uma criatura com todos os defeitos, mas que me compreendia, perdoava, ensinava e correspondia, uma mulher que Deus levou prematura, de mim e da vida, inesquecível,  mulher inesquecível a Valdete.
Hoje, casado novamente não sei se ainda amo, mas gosto muito de quem me aceitou como marido, e acho que a amei um dia, mas tal amor foi afogado pelas diferenças, entre nós, entre o que gostei do amor, diferenças da vida cruel que nem sempre é parceira. Terminando meus dias não sei quando porque já passei dos setenta, entendo que tudo se torna tarde para amar, ou ficam as lembranças, ou morre a compreensão do bom que foi enquanto durou.
Porém não posso me queixar porque a mim foi dado a chance de nesta vida cheia de surpresas poder ter sentindo amor, ter tido ilusões, e provado da paixão.
E de tudo isso levo comigo o amor, o amor eterno que sentimos por Deus, por quem nos colocou neste mundo, nossos pais,  e os mais variados timbres de amor, pelas plantas, pelos bichos, por alguns seres humanos que passam por nossa vida, e me convenço que contra a paixão já estou vacinado. Agora, é somente AMOR.





Reflexões de Jorge Curvello

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O ÔNIBUS DAS EMPREGUETES.(Um conto para quem sabe o que é andar em coletivos)

           
         

A nova denominação surgiu com a atual novela da Rede Globo que mostra a vida de três empregadas domésticas chegando ao estrelato  artístico após se unirem para formar um grupo de cantoras e a moda pegou como sempre no macaquear das imitações.  Agora não é mais doméstica e sim empreguete aquela que se emprega na casa alheia para serviços braçais.  E nada melhor para se conhecer uma malta essas dignas  serviçais do que embarcar entre seis e oito horas da manhã em um ônibus da linha 537 da viação N.S. do Amparo que liga o centro de Niterói a Itaipu cortando por Tribobó, ponte de conexão com a populosa São Gonçalo, cidade vizinha. Ali dentro daquela caçamba balançante  acontece de tudo na mais completa ordem, do cômico ao trágico e não há os que não se divirtam à vontade enquanto sofrem a super lotação.
Do trecho de Tribobó até quase o ponto final na praia de Itaipu embarca uma malta de mulheres de todas as cores, tipos e idades diferentes, cada uma mostrando na fisionomia a profissão que exerce, até porque no percurso todo não há mais do que casas de família onde elas possam estar empregadas. Elas se vestem simples, sóbrio ou exagerado  na composição, ocupam quase que todo os lugares sentados do coletivo e de pé também e a algaravia que fazem conversando parece bando de periquitos em festa de  aroeira.  São diversos tons e timbres de vozes contando ou discutindo os mais estapafúrdios assuntos, que misturados chegam a fazer rir ou enervar.
Em um dia tendo que cumprir este itinerário indo a um posto médico, embarquei em um ônibus superlotado onde caminhar era impossível e o que resolvia era empurrar para se locomover em meio a tantos corpos de todos os calibres, cheiros de todos os tipos entre perfume e budum,  e logo deparei com acontecimentos divertidos e, mesmo viajando de pé os quase  trinta minutos, nem vi a distância ser comida pelo carro da alegria trágica.  Em um banco traseiro sentava-se uma mulher de cor escura vestida com uma blusa  da cor laranja forte, presilha verde com joaninhas no cabelo duro e o inevitável cordel do celular no ouvido mostrando que ouvia música MP- 3.
Em dado momento ela começou a cantar  a melodia que ouvia do celular, enervando alguns e divertindo outros dentro do ônibus com seu tom destoado e sem acompanhamento, a voz esganiçada e o pior, em tom bem alto como se ela estivesse em um chuveiro embaixo de um gostoso banho.  Os olhos fechados impediam que ela visse o ridículo sendo notado pelos vizinhos dos assentos e inclusive eu ali perto, de pé e as nossas caras de risos e desaprovo. Mas alguém então perguntando em voz alta que ela não podia ouvir por causa dos auriculares, perguntava se ela trabalharia assim na casa da madame, sendo imediatamente respondido por outra doméstica ao lado que se fosse assim na casa da patroa dela, era despedida na hora. Na oportunidade fazendo figa, aconselhou a outra a procurar um videokê de botequim.
 O silêncio se fez por segundos porque  logo alguém puxou sinal para parada em próximo ponto e um movimento de onda começou, empurra aqui, espreme ali, se mexe acolá e toma de sacolas e bolsas se espremendo ou  espremendo na multidão.
Uma voz feminina meio rouca gritou de onde não sei:

--- Hei motorista... Tão bolinando meu traseiro... Esvazia esta merda.

E logo uma voz masculina respondeu.

--- “Guenta” firme nega que assim vai chegar no serviço esmerilhada...Quem manda ser gostosa.

Ainda com o ônibus parado no ponto outra voz reclamou.

--- Não anda motorista, não anda... Não estou conseguindo me mover aqui.

Olhei e vi uma senhora gorda com sacolas na mão tentando se desvencilhar de um bolo de “empreguetes” espremido no caminho.

E no assento perto de mim de pé e também amassado até o talo, sentindo tudo de todos nas pernas, nádegas e até parte das costas (diga-se de passagem que o ônibus também leva peão), vejo a mulata bonita de peitos fartos e decote generoso, também com ouvidos ocupados por auriculares de celular, balançando sob a cadência talvez de um funk. E uma boca colada quase no meu ouvido direito, talvez com os olhos da cara vendo o que eu via, cochichou.

--- Aí coroa, num vai ter infarto do “miocádio”.  Tá vendo só que mamãos?

Alguém que não dava para se ver donde atende então um celular e a conversa esquisita começa:

--- Quem? Quem? Ah, è tu!  Não, não peguei, não, eu não vi, não, eu não sei...  O que, comprar o que? Tá maluco?   Ta legal, tá legal.... Tou no ônibus... Ah não sei... É mesmo? Foi?. (Silêncio longo de quem ouve história)   Ò, olha só... Disso não sei não. O que sei foi que ele pegou a “bicicreta” e disse que ia na padaria, mas não voltou pro café e ela saiu puta pro trabalho. Ah... Tá... Tá...  Quando eu chegar aí  eu vejo isso... Vou desligar que tou  chegando no ponto.

E logo mais adiante ou onde nem dava pra ver outra conversa começa e outra, e outra, como se todo mundo agora resolva manter contato telefônico sentado ou de pé dentro de condução.

De pé logo atrás de mim e dando pra sentir vento no cangote alguém começa a assoviar uma melodia, barata, desconhecida e enervante. E toma de mau hálito.

Antes de eu desembarcar, ainda ouvi uma mulher reclamando de alguém sarrando  nela e esse alguém mandando ela se catar respondia que quem gostava de pelanca era cachorro de botequim.  E a voz rouca do motorista gordo adiantou: 

---- Durma-se com um barulho desses....

O Meu destino chegou, puxei como deu para puxar o cordel do sinal, me espremi como pude deslizando por bundas, coxas, e pênis até uma porta e fui cuspido para a rua, sentindo o ar renovado e vendo a nave dos condenados a balburdia se afastar rumo ao ponto final.

E há quem diga que pobre não sofre, se diverte até com tragédia....  Será?




Por J. Curvello