quarta-feira, 31 de julho de 2013

VOVÓ BINDA

 
 

Ninguém sabia ao certo a idade dela, mas devia estar beirando o centenário. Binda era um nome que todos  conheciam em Igaci, pequena cidade a cerca de 15 Kms de Palmeira dos Índios, agreste de Alagoas. Alguns diziam que ela havia sido mulher da vida, quenga de prostíbulo, mas ninguém sabia ao certo. Porém o certo era como Binda era querida, por todos da cidade ou arredores que a conheciam ou não,  e principalmente, extraordinariamente, também pelos animais.

Ela vivia em uma tapera sem conforto ou segurança, no serrado brabo, sua água vinha de um rio onde gente e bichos se banhavam, sua comida, ninguém sabia o que era, mas sentiam um cheiro bom a cada vez que a fumaça subia da cabana saindo pelo teto de sapê.  Binda gostava de tomar banho nua no rio bem cedo pela manhã, quando ainda todos dormiam e o sol começava a despontar, fizesse frio ou calor, e alguns moleques que acordavam cedo escondidos dos pais para espiar, diziam que ela cantava enquanto brincava com a água e seus amiguinhos, peixes e animais aquáticos do rio.

Havia quem contava que não raro espiando de longe  via Binda rodeada de micos, pássaros, macacos e borboletas, sentada no terreiro em uma cadeira de balanço, os micos e macacos lhe catando piolho nos cabelos brancos presos para trás, mas que ninguém se aproximasse dela porque o bichos fugiam. Outros mais atrevidos, contavam que ao espiar nas frestas do casebre em noites quentes, a via sentada na cama conversando com sapos, aranhas peludas e cobras, todos animais predadores um do outro sem ali se fazerem mal, nem para ela, nem entre si.

Binda tinha um montepio deixado por um filho que ninguém conheceu e com ele era que comprava a comida pra viver, mas não amiúde, gastando pouco consigo para mandar o resto para alguém mais precisado, qualquer um.  Um coração de ouro o de Binda.

Mas um dia Binda não foi ao rio, não fez fumaça na casa e o barulho de todos os cachorros da cidade foi infernal. Foi então que alguém gritou. --- A Binda morreu!

 

 E no enterro de Binda, não faltou gente de todo lado, vindo de carro ou até lombo de burro, e até o prefeito mandou buscar o corpo para o cemitério em carro de bombeiro.

Junto à sepultura cavada no chão os fieis admiradores de Binda choravam, lamentavam, todos querendo dar o ultimo adeus e não eram somente eles porque nas árvores a volta coalhada de passarinhos, macacos e micos havia outra algazarra na hora de baixar o corpo à sepultura. Os únicos bichos ali em silêncio eram as mil borboletas de todos os tamanhos e cores, volteando sobre o caixão.

E assim se foi para sempre Binda, a do coração de ouro, amiga dos homens e dos bichos, e cinco anos depois quando foram desenterrar seus ossos para queimar, não encontraram nada dentro do caixão fechado a cadeado.

 Alguns dizem que Binda evaporou, seguiu no ar como a essência da bondade dos homens perdida que os bichos levaram pra nunca mais encarnar.

 

De Jorge Curvello

Coisas do sertão