Ninguém
sabia ao certo a idade dela, mas devia estar beirando o centenário. Binda era
um nome que todos conheciam em Igaci, pequena
cidade a cerca de 15 Kms de Palmeira dos Índios, agreste de Alagoas. Alguns
diziam que ela havia sido mulher da vida, quenga de prostíbulo, mas ninguém
sabia ao certo. Porém o certo era como Binda era querida, por todos da cidade
ou arredores que a conheciam ou não, e
principalmente, extraordinariamente, também pelos animais.
Ela vivia em
uma tapera sem conforto ou segurança, no serrado brabo, sua água vinha de um
rio onde gente e bichos se banhavam, sua comida, ninguém sabia o que era, mas
sentiam um cheiro bom a cada vez que a fumaça subia da cabana saindo pelo teto
de sapê. Binda gostava de tomar banho
nua no rio bem cedo pela manhã, quando ainda todos dormiam e o sol começava a
despontar, fizesse frio ou calor, e alguns moleques que acordavam cedo
escondidos dos pais para espiar, diziam que ela cantava enquanto brincava com a
água e seus amiguinhos, peixes e animais aquáticos do rio.
Havia quem
contava que não raro espiando de longe via Binda rodeada de micos, pássaros, macacos
e borboletas, sentada no terreiro em uma cadeira de balanço, os micos e macacos
lhe catando piolho nos cabelos brancos presos para trás, mas que ninguém se
aproximasse dela porque o bichos fugiam. Outros mais atrevidos, contavam que ao
espiar nas frestas do casebre em noites quentes, a via sentada na cama
conversando com sapos, aranhas peludas e cobras, todos animais predadores um do
outro sem ali se fazerem mal, nem para ela, nem entre si.
Binda tinha
um montepio deixado por um filho que ninguém conheceu e com ele era que
comprava a comida pra viver, mas não amiúde, gastando pouco consigo para mandar
o resto para alguém mais precisado, qualquer um. Um coração de ouro o de Binda.
Mas um dia
Binda não foi ao rio, não fez fumaça na casa e o barulho de todos os cachorros
da cidade foi infernal. Foi então que alguém gritou. --- A Binda morreu!
E no enterro de Binda, não faltou gente de
todo lado, vindo de carro ou até lombo de burro, e até o prefeito mandou buscar
o corpo para o cemitério em carro de bombeiro.
Junto à
sepultura cavada no chão os fieis admiradores de Binda choravam, lamentavam,
todos querendo dar o ultimo adeus e não eram somente eles porque nas árvores a
volta coalhada de passarinhos, macacos e micos havia outra algazarra na hora de
baixar o corpo à sepultura. Os únicos bichos ali em silêncio eram as mil
borboletas de todos os tamanhos e cores, volteando sobre o caixão.
E assim se
foi para sempre Binda, a do coração de ouro, amiga dos homens e dos bichos, e
cinco anos depois quando foram desenterrar seus ossos para queimar, não
encontraram nada dentro do caixão fechado a cadeado.
Alguns dizem que Binda evaporou, seguiu no ar
como a essência da bondade dos homens perdida que os bichos levaram pra nunca
mais encarnar.
De Jorge
Curvello
Coisas do
sertão