sábado, 3 de dezembro de 2011

COMO CONSEGUI DAR A VOLTA POR CIMA E ME SAIR BEM

        
        Isto é assunto sério e somente quem viveu algo semelhante  poderá dizer do que sofri até me dar conta de que se quisesse viver, tinha que lutar pela minha vida.
        Nasci filha de chocadeira, como se diz a quem nunca conheceu pai ou mãe, vivi paparicada e cuidada em minha infância e adolescência, mas com segundas intenções de quem me criou. Não tinha liberdade, cresci por assim dizer atrás de grades, fechada em meu mundo sem poder descobrir o que nasci porque me retinham, vigiavam e  proibiam. Mas nunca me queixei, aceitei o que me davam e obrigavam com o estoicismo de quem um dia sabia que iría vencer, ser livre, viver a vida feliz como se pude ser quando se é realizado. Mas não foi fácil.
        Quando adolescente sentia vontade de “voar”, sair daquele cárcere que me impunham, ir procurar o mundo e suas experiências, mas tinha asas cortadas e pés amarrados, corpo retido, era uma escrava por assim dizer. Vivi então meu cativeiro esperando o futuro ser melhor, sem perder as esperanças e tentando a cada dia.
        Fiquei mocinha, cativante, bonita e sestrosa e então começou a maldade, a sede de quem me criou todo aquele tempo almejando uma coisa, me “comer”. Teve um dia, que não sei porque milagre não me matou, chegou a bater com uma faca em meu pescoço como se pronto a me degolar. E teve outro que o sacana do meu algoz não satisfeito com minha vida sofrida, ainda tentou me violentar, fazer comigo o que fatalmente acabaria com minha vida, o maldito.  Para minha felicidade, ou infelicidade, não sei, ele arranjou uma mulher e como “mulher” me esqueceu, mas não me libertou, continuou me aprisionando e o pior, com o consentimento da outra.
        É, mas então chegou o grande dia, o dia em que duas no mesmo terreiro não ia dar e eu perdi, chegou a minha vez e a outra, malvada e maliciosa, fez a cabeça dele, obrigando que eu fosse sacrificada em nome do novo amor. E o maldito aceitou, pegou aquela mesma faca que um dia me ameaçou e veio pra cima, disposto talvez a me degolar.
        Porém eu nasci pobre, prisioneira, mas não nasci burra e na hora H quando senti que ele ia mesmo fazer aquilo, dei um faniquito, comecei a babar, revirar olho, ficar amarela e foi isso que me salvou. A outra, vendo tudo acontecer gritou qualquer coisa com ele que não entendi e então, o milagre aconteceu, me soltaram, deram a liberdade, me fizeram ver como o mundo fora daquela prisão era lindo, verde, azul, amarelo, tão colorido e, apetitoso.
        Hoje estou casada, com um marido garanhão, que não me dá folga assim que o dia amanhece, ah, e como ele gosta. Mas é bonito o danado e como sabe fazer filho. Eu tenho por assim dizer com ele, uma ninhada de lindos, safadinhos, comilões e todos parecendo com ele, ou comigo, coisa de genética. Mas só tem um defeito, são muito comilões e ladinos e se eu bobeio eu é que fico com fome.  Por falar nisso, me dêm licença, mas pintou uma guloseima e eles foram atrás, estão disputando e tenho que disputar também se quero provar. Meu marido nem liga, só fica olhando, mas eu mereço e não vou deixar esses safadinhos me  levarem no “bico”..
        Ah, ia esquecendo de dizer que meu marido somente se aborrece quando um rival vem aqui perto de nosso terreno e fica arrastando asa pro meu lado, e até que é bonitão o penoso. Mas eu sou séria, se não tão fiel por natureza, pelo menos não fico me oferecendo e afinal, tenho filhos pra criar, doze pintinhos lindinhos e ainda em penugem, meus lindos, filho dessa galinha de sorte que um dia conseguiu dar a volta por cima e escapar de ir para uma panela fingindo doença a beira de uma faca e um prato com vinagre, mas se saiu bem, ganhando a liberdade de um galinheiro, marido e filhos. Êta galinha feliz.


Por Jorge Curvello

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não desmereça a Internet com palavras chulas.
Obrigado