quarta-feira, 14 de agosto de 2013

FELIZ SONHO IRREALIZADO


 

 

Por toda uma vida tentando eu agora me sentia realizado, ovacionado por grandes astros e estrelas do mundo artístico, gente que sempre invejei poder alcançar o mesmo patamar da fama. E ali estavam todos, escondidos em coxias me observando, Fernanda Montenegro, Natalia Timber, Irene Ravache, e muitos outros, todos reis do estrelato contratados para trabalhar naquela nova versão de uma peça famosa, e com eles, eu.

Por toda uma vida sonhei ser ator, ser famoso, ter o nome reconhecido em grandes letras em um cartaz, fosse do teatro, do cinema ou da televisão. Por toda uma vida esperei em vão esse dia chegar, atuando onde me davam pequeninas chances que me prometiam ser maior depois, mas que continuavam sempre, sendo pequeninas. Mas sem desanimar eu prosseguia.

Ali vestido com aquela humilde roupa não distante de quem comigo faria uma cena em dois, eu ansiava enquanto temia o grande momento de entrar em cena, me posicionar no palco seguindo as marcas, temendo esquecer minhas falas ou engasgar as dizendo, inseguro dentro da insegurança de tantas vezes, fracassado. Mas ali estava eu, sendo parte de um elenco grandioso tendo meu nome  no cartaz adiante do deles escrito com letras sumidas, talvez único na história do teatro em uma reprise com inclusões do diretor, e uma delas, era o meu papel.

Mas é claro que eu merecia estar ali, passei nos testes, fiz tudo como eles queriam, e agora iría, pela primeira vez em anos, atuar junto a um dos maiores ícones do teatro brasileiro, o grande Paulo Autran.

 E lá estava ele engalanado em seu manto de rei, com aquela coroa brilhando na cabeça e aquela fisionomia tranqüila dos que sabem que vai agradar, levantar hurras e aplausos, bravos e outros elogios dirigidos aos que merecem e agradam a massa.  E fora da visão da platéia silenciosa estava eu, em meu modesto traje de serviçal, esperando a hora de minha entrada em cena.

 As minhas costas rostos conhecidos e famosos me olhavam intrigados, não me conheciam mesmo eu já estando várias vezes perto deles ou junto com eles em outras produções, então um simples ator medíocre em um papel mais ainda. E no palco Paulo dá a deixa e eu entro, com pouco a falar e muita convicção, mas pouca certeza, com muito a esperar e pouco anseio, um perfeito incógnita de mim mesmo.

 Parado no centro do palco o Paulo aguarda, me vê e sua fisionomia atuando é uma enquanto os olhos esperam tudo de mim porque sempre foi um professor. Eu entro e me posiciono, e como nunca em toda a minha vida, falo:

 

--- Meu senhor, eu trago o seu destino em minhas mãos.

 

 E entrego a ele um papiro enrolado que ele não lê, olha apenas para mim e seus olhos agora, o do homem, parecem me sorrir, depois me dá as costa e me deixa ali, plantado com meio braço ainda estendido como se segurasse o papiro, ainda.

 E então os aplausos estouram, na platéia e nos bastidores, aplausos que duram além dos minutos esperados e concedidos para não atrasar o espetáculo.  E então eu saio, refugio-me no escuro da coxia com olhos umedecidos, recebendo condecorações de todo a lado por falar tão pouco, mas interpretar como nunca, com toda a minha alma aquele tão diminuto papel.

Alguém eu acho que Fernanda, sussurra bem junto a meu ouvido.

--- “Bravos rapaz” Nunca vi tanto sentimento em um ator.

 

E então eu acordo ainda ouvindo os aplausos, os hurras, os bravos, mil vozes em coro, vozes que aos poucos se apagam desaparecendo de meus ouvidos... Ou da minha mente?

E então me levanto sabendo que foi apenas um sonho, sonho que nunca realizei em quarenta anos de tentativas, quarenta anos tentando algo que já não quero mais, que perdeu a graça, à vaidade da fama, o sentimento de estar em um baluarte, diante de câmeras ou cenários, sentimento que a idade avançada me levou.

 E eu abro a janela e vejo o sol, pombas rolas namorando em uma árvore, vejo nuvens correndo no céu como corri atrás do que nunca consegui, o sucesso,  sinto o perfume das flores no ar, e olho para mim sem a roupa da peça, sem mais o texto, sem mais nada que me leve a sonhar outra vez. E então vejo que assim mesmo fui e serei um ator, porque se no palco não brilhei jamais, aqui no palco da vida fui e continuo sendo um ator, bom para alguns, mau para outros, interpretando diversos papeis nunca repetidos, sem direito a aplausos, mas o meu próprio manto de rei, o Rei Lear que em sonho me levou ao estrelato mesmo sem eu merecer.
 
 
Dispensa assinatura.

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