terça-feira, 14 de janeiro de 2014

DO ATOR QUE POR DIREITO SOU, DO QUE NÃO FUI E NÃO SOU, DO QUE TALVEZ PODERIA SER.


 
Artista eu sempre fui desde menino, desenhava bem, depois pintei quadros, e na vida artística tive sonhos em me tornar ator. Cantar sempre cantei, com voz de cotovia rachada nos tempos de menino até melhorar e aprender canto um pouco, me registrar como cantor na Ordem dos Músicos, depois desistir dessa carreira porque não era mesmo minha praia.

Como ator, ainda jovem tentei a Herbert Ritcher, havia oportunidade em um filme de cangaço, mas desisti com medo de não saber montar a cavalo e depois, adormeci em mim esse desejo, mais levado por aparecer, ser famoso, do que propriamente pelo gosto da interpretação.

 Tornei-me um comissário de bordo e ali interpretei vários papéis a bordo dos aviões, nas chefias, entre os amigos e passageiros, enfim era o ator em mim se pronunciando, e nos tempos vagos dava uma de show-man me apresentando por hobby em clubes, boates e festividades. Ali valia a arte da dublagem de movimentos de algum cantor e dança conforme me aperfeiçoei nos anos 60 nos programas de rádio (Mayrink Veiga em Hoje é dia de Rock) e televisão (Canal Rio, programa do Jair de Talmaturgo ou do Chacrinha) que usavam de explorar essa modalidade sem pagar cachê.  E então me aposentei aos 53 anos de idade e fui à luta, fiz cursos de aperfeiçoamento, fiz peças e acabei com um DRT na mão, o registro que me tornou oficialmente ator de verdade.

 Estava com quase sessenta anos de idade, já não sentia mais desejo de fama ou aparecer, gostava de interpretar e era só, mas nada de graça porque agora, era de fato um artista regulamentado.

 A vida de artista no Brasil é difícil, diferente de outros povos onde dão valor à arte e aqui, dão valor ao quem indica ou simpatia pessoal. Sendo assim acabei na Globo, mas nunca passei dos Recursos Artísticos onde registram atores e deixam de molho, aproveitando o perfil e não a capacidade, pagando cachê menor do que contrato.  O fato de sentir que não me davam oportunidade de um teste para uma produção onde eu poderia e com capacidade mostrar meus dons de verdade, meu valor, me fez esmorecer, largar de mão e ficar de molho a espera de chamadas que foram diminuindo a partir de 1998 até desaparecer.  Aconteceu então a queda do Aerus e a necessidade de faturar alguma coisa, mas o corpo e a mente já não queriam mais e enfrentar estúdios e sets de gravação por doze horas não mais me apeteciam nem por necessidade.

A Rede Record me aceitou como ator diarista, pertenço a uma parte do departamento de elenco onde somente o perfil é procurado, não a arte, e como na Globo, comecei a fazer pequenos diminutos papeis, por bons cachês é verdade, mas só isso, nada de poder sentir o personagem e mostrar se sou capaz.  São uma, duas ou tre falas somente, ato curto e de minutos, mesmo contracenando com atores de peso, mas figura terciária, sem nome nos créditos da produção, algo que seria muito valioso para currículo.  Isso não é ser ator, nem figurante porque estes não são permitidos de falar em cena. É um cachê melhor, mas a comparação é a mesma.

 Na Record tenho mordomias, mais por ser idoso, nunca por ser ator. Ela nunca abre as portas dos testes, algo que poderia me lançar no estrelato, e eu já nem sei se quero isto porque não sei se aturaria assédio da fama, se dominaria à vontade de ficar em casa em lugar de dias seguidos em meses dentro de estúdios, aturar as picuinhas dos diretores, os desmerecimentos, a competição dos colegas de trabalho, os fuxicos, as fofocas, tudo que já provei sendo comissário de bordo, e odiei.  Fico então aqui, dentro de minha casa brincando quando em vez de ser ator, cantor ou dançarino, são coisas que sou por instinto.  Mas pergunto para mim mesmo onde está esse ator que tem número e DRT? Onde está meu valor apregoado na telinha ou sobre um palco?  Onde anda o ator Arlindo Duplo que assim me fiz e sub-intitulei?

 Do ator que por direito sou conto apenas com um documento, do que não fui e não sou culpo minha preguiça e falta de perseverança, do que talvez poderia ser, deixo por conta de um bom teste que somente assim poderia mostrar se aprovado e enfiado em alguma produção como ator, não coadjuvante.

 È minha gente... Um dia que quis ser famoso, aparecer, outro já não quis mais, em outro ainda faltou garra e desisti e hoje, apenas sorrio quando alguém me chama ou diz que sou ator.  Será que eu seria mesmo um astro? Será que faltou oportunidade de provar?  Não sei e pouco isso me importa agora aos setenta e dois anos de idade.
 
 

 

 Pelo próprio

Arlindo Duplo (Jorge Curvello)

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