quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O ÔNIBUS DAS EMPREGUETES.(Um conto para quem sabe o que é andar em coletivos)

           
         

A nova denominação surgiu com a atual novela da Rede Globo que mostra a vida de três empregadas domésticas chegando ao estrelato  artístico após se unirem para formar um grupo de cantoras e a moda pegou como sempre no macaquear das imitações.  Agora não é mais doméstica e sim empreguete aquela que se emprega na casa alheia para serviços braçais.  E nada melhor para se conhecer uma malta essas dignas  serviçais do que embarcar entre seis e oito horas da manhã em um ônibus da linha 537 da viação N.S. do Amparo que liga o centro de Niterói a Itaipu cortando por Tribobó, ponte de conexão com a populosa São Gonçalo, cidade vizinha. Ali dentro daquela caçamba balançante  acontece de tudo na mais completa ordem, do cômico ao trágico e não há os que não se divirtam à vontade enquanto sofrem a super lotação.
Do trecho de Tribobó até quase o ponto final na praia de Itaipu embarca uma malta de mulheres de todas as cores, tipos e idades diferentes, cada uma mostrando na fisionomia a profissão que exerce, até porque no percurso todo não há mais do que casas de família onde elas possam estar empregadas. Elas se vestem simples, sóbrio ou exagerado  na composição, ocupam quase que todo os lugares sentados do coletivo e de pé também e a algaravia que fazem conversando parece bando de periquitos em festa de  aroeira.  São diversos tons e timbres de vozes contando ou discutindo os mais estapafúrdios assuntos, que misturados chegam a fazer rir ou enervar.
Em um dia tendo que cumprir este itinerário indo a um posto médico, embarquei em um ônibus superlotado onde caminhar era impossível e o que resolvia era empurrar para se locomover em meio a tantos corpos de todos os calibres, cheiros de todos os tipos entre perfume e budum,  e logo deparei com acontecimentos divertidos e, mesmo viajando de pé os quase  trinta minutos, nem vi a distância ser comida pelo carro da alegria trágica.  Em um banco traseiro sentava-se uma mulher de cor escura vestida com uma blusa  da cor laranja forte, presilha verde com joaninhas no cabelo duro e o inevitável cordel do celular no ouvido mostrando que ouvia música MP- 3.
Em dado momento ela começou a cantar  a melodia que ouvia do celular, enervando alguns e divertindo outros dentro do ônibus com seu tom destoado e sem acompanhamento, a voz esganiçada e o pior, em tom bem alto como se ela estivesse em um chuveiro embaixo de um gostoso banho.  Os olhos fechados impediam que ela visse o ridículo sendo notado pelos vizinhos dos assentos e inclusive eu ali perto, de pé e as nossas caras de risos e desaprovo. Mas alguém então perguntando em voz alta que ela não podia ouvir por causa dos auriculares, perguntava se ela trabalharia assim na casa da madame, sendo imediatamente respondido por outra doméstica ao lado que se fosse assim na casa da patroa dela, era despedida na hora. Na oportunidade fazendo figa, aconselhou a outra a procurar um videokê de botequim.
 O silêncio se fez por segundos porque  logo alguém puxou sinal para parada em próximo ponto e um movimento de onda começou, empurra aqui, espreme ali, se mexe acolá e toma de sacolas e bolsas se espremendo ou  espremendo na multidão.
Uma voz feminina meio rouca gritou de onde não sei:

--- Hei motorista... Tão bolinando meu traseiro... Esvazia esta merda.

E logo uma voz masculina respondeu.

--- “Guenta” firme nega que assim vai chegar no serviço esmerilhada...Quem manda ser gostosa.

Ainda com o ônibus parado no ponto outra voz reclamou.

--- Não anda motorista, não anda... Não estou conseguindo me mover aqui.

Olhei e vi uma senhora gorda com sacolas na mão tentando se desvencilhar de um bolo de “empreguetes” espremido no caminho.

E no assento perto de mim de pé e também amassado até o talo, sentindo tudo de todos nas pernas, nádegas e até parte das costas (diga-se de passagem que o ônibus também leva peão), vejo a mulata bonita de peitos fartos e decote generoso, também com ouvidos ocupados por auriculares de celular, balançando sob a cadência talvez de um funk. E uma boca colada quase no meu ouvido direito, talvez com os olhos da cara vendo o que eu via, cochichou.

--- Aí coroa, num vai ter infarto do “miocádio”.  Tá vendo só que mamãos?

Alguém que não dava para se ver donde atende então um celular e a conversa esquisita começa:

--- Quem? Quem? Ah, è tu!  Não, não peguei, não, eu não vi, não, eu não sei...  O que, comprar o que? Tá maluco?   Ta legal, tá legal.... Tou no ônibus... Ah não sei... É mesmo? Foi?. (Silêncio longo de quem ouve história)   Ò, olha só... Disso não sei não. O que sei foi que ele pegou a “bicicreta” e disse que ia na padaria, mas não voltou pro café e ela saiu puta pro trabalho. Ah... Tá... Tá...  Quando eu chegar aí  eu vejo isso... Vou desligar que tou  chegando no ponto.

E logo mais adiante ou onde nem dava pra ver outra conversa começa e outra, e outra, como se todo mundo agora resolva manter contato telefônico sentado ou de pé dentro de condução.

De pé logo atrás de mim e dando pra sentir vento no cangote alguém começa a assoviar uma melodia, barata, desconhecida e enervante. E toma de mau hálito.

Antes de eu desembarcar, ainda ouvi uma mulher reclamando de alguém sarrando  nela e esse alguém mandando ela se catar respondia que quem gostava de pelanca era cachorro de botequim.  E a voz rouca do motorista gordo adiantou: 

---- Durma-se com um barulho desses....

O Meu destino chegou, puxei como deu para puxar o cordel do sinal, me espremi como pude deslizando por bundas, coxas, e pênis até uma porta e fui cuspido para a rua, sentindo o ar renovado e vendo a nave dos condenados a balburdia se afastar rumo ao ponto final.

E há quem diga que pobre não sofre, se diverte até com tragédia....  Será?




Por J. Curvello

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