sexta-feira, 20 de abril de 2012

VIVA A AVIAÇÃO _ DA SÉRIE, COISAS DA AVIAÇÃO



Aeroporto de Lambert, Saint Louis, Missouri, duas da madrugada.  O vôo 3445 da Alegheny Airlines estava pronto para decolar na cabeceira da pista esperando ordens da torre de comando. O tempo estava bom até Chicago seu destino final do vôo sem escalas. A bordo com mais trinta e sete passageiros no Convair CV-340 o co-piloto estava contrariado, seu filhinho estava preste a nascer e ele não podia estar presente no parto da mulher porque a obrigação o chamava. Um pouco atrás sentado em sua cadeira o rádio operador bocejava, homem solteiro na velhice achando uma merda ficar em casa e outra ter que voar, sem sabem da vida o que mais queria e, na esquerda, envergando orgulhoso o uniforme de vôo sem o paletó o comandante do vôo, soberbo, olhava os controles esperando a ordem de acelerar aquele avião.  Não havia mais aviões se movendo no aeroporto no frio da madrugada, somente o Convair na escuridão da cabeceira da pista e o céu era de brigadeiro, como eles chamavam um céu sem nuvens sobre Saint Louis.
Na cabine de passageiros, sentada como tal, uma moçoila nervosa que a toda hora checava o relógio medindo o tempo que a separava em Chicago e de se apresentar na base de Chicago da Alegueny. Uma aeromoça recém formada e saindo de casa definitivamente para a nova vida ela somente tinha sonhos na cabeça jovem.. Quando o avião começou a correr na pista ela olhou para fora vendo as luzes do aeroporto irem aumentando de velocidade para trás e a pista se tornando um borrão iluminado pelos faróis do avião. Foi então que ela viu algo passar voando para a lateral assim que o avião deixou o solo, algo que diminuiu rapidamente de tamanho conforme na velocidade da subida a máquina se elevava.  Sacudindo a cabeça ela pensou ser aquilo um animal e fechou a janelinha.
Em um entroncamento das auxiliares de rolamento o homem barrigudo estacionou a pick up com o logotipo da limpeza do aeroporto e se dirigiu a pé para a lanchonete dos empregados situada perto dali em um galpão, deixando o carro sozinho no escuro Antes de empurrar a porta giratória ainda ouviu o ruído do Convair decolando na pista 05, fez um aceno como se desejando uma boa viagem ao vulto escuro se elevando para o céu cheio de luzes piscando e foi comer, se esquecendo dele. Perto de meia hora depois ele voltava para a pick up e via espantado um pneu de avião caído perto dela retido por uma canaleta de escoamento de água, indo pegar e botar na carroceria praguejando.

--- Merda de pessoal da mecânica... Estão sempre largando o lixo deles espalhado por aí.

 E ele seguiu dirigindo o carro com entulhos que deixou em um hangar esperando os homens do recolhimento.

Uma hora e quinze depois o avião voava alto sobre coesos blocos de nuvens prateadas pelo luar com algumas elevando picos arredondados como montanhas de sonho, a bordo a refeição havia sido servida e os passageiros se distraiam lendo ou dormiam, menos a mocinha nervosa que continuava consultando o relógio na ansiedade de ver aquele avião pousar para seu belo futuro. Sempre quis ser aeromoça mesmo contra a vontade dos pais que diziam não querer ver a filha virando churrasquinho em acidente, e agora conseguira realizar o sonho fazia quinze dias depois da formatura na escolinha da Alegheny em Saint Louis..
Uma hora e cinqüenta e cinco minutos depois da decolagem daquele avião um chefe de turma do serviço de recolhimento de lixo estranhava o pneu de avião no meio dos containeres e chamava o homem da pick up que disse como encontrou o pneu, O chefe de turma chamou então o setor de mecânica para recriminar, mas de lá ninguém conhecia tal desleixo e garantiam que ninguém andou com pneus nas imediações de onde aquele foi achado. Então ele chamou a direção do aeroporto e explicou o fato e um inusitado movimento começou. De quem seria aquele pneu e o que fazia ali em local tão impróprio.  O Substituto do diretor chamou a torre e quis saber das decolagens entre meia noite e o horário do achado e a torre informou que somente o CV-3445 havia levantado vôo. Com a mão na cabeça o homem falou.

--- Que Deus diga que estou errado, mas acho que o pneu encontrado pertence aquele avião.

Foram feitas medições por técnicos imediatamente chamados e se constatou pelo ângulo do pneu vindo da direção da 05 para perto da pick up estacionada que ele podia pertencer ao avião da Alegheny e a suspeita virou fato, o CV-3445 voava agora com menos um de seus pneus e estava, sem saber disso, a minutos de aterrizar.

No avião o co-piloto recebeu o aviso da suposição e informou não terem sentido nada anormal na guarda dos trens de pouso, logo era o comandante que falava com a torre que informava pela análise executada no pneu, que o paralelo a ele deveria estar no lugar, mas sem garantias de fixação porque junto ao pneu encontrado havia ferro do trem de pouso.. Pouco depois uma moçoila entusiasmada pedia para ver a cabine de comando na hora do pouso e o colega comissário lhe disse que não seria possível porque era fora das normas e ela brincou com ele dizendo.

---- Ora colega,, fora da norma é ver bezerro ou cabra correndo por debaixo do avião na decolagem.

A partir da brincadeira ela se viu diante de um comandante suando que quis saber direitinho a história do bezerro e saiu a pedido do homem sem saber que estava com a vida ameaçada porque aquele avião teria que pousar sem os trens de pouso.

Logo a seguir o estranho diálogo entre o avião e a torre de denver.

--- Quem pode garantir que o pneu é do meu avião?

-- Ninguém, mas somente ele decolou na madrugada em tempo de deixar o pneu onde foi encontrado.

--- Mas como se aqui nada mostra anormalidade nos comandos hidráulicos?

--- Pode ter sido somente um dos pneus, mas o outro está comprometido, pode apostar nisso.

--- Mas não vou pedir emergência a Chicago sem ter certeza da avaria.

---- Bem comandante isso é lá com o senhor. È o responsável por essas vidas ai em sua jaca.

Segundos de silêncio e o comandante volta a falar.

-- O que aconselham a fazer?

--- Pedir aproximação, falar do possível problema, voar em rasante para observação visual externa e depois, é pista normal, ou com espuma.

--- Mas, se foi só um pneu eu posso pousar usando o que ficou.

__ E se ele se soltar?

 --- Não deve soltar, tem segurança para esses casos.

--- Novamente fica com o senhor, Uma barra de ferro do eixo principal foi encontrada com o pneu que está concosco.

O homem coça a cabeça, suando muito e lá está a torre de Chicago pedindo para ele se identificar.

O problema é explicado, outros aviões são afastados, voam em prateleira, e o CV-3445 ganha prioridade no pouso e vai usar a pista maior. Se no vôo para observação externa visual for constatado a menos um pneu nos trens do avião, então é pouso de barriga.
. A bordo os comissário já se preparam para a situação de emergência e a moçoila estreante é convidada a ajudar, vai ficar com a porta da traseira porque com dois comissários apenas na tripulação alguém vai precisar tomar conta das saídas laterais da janela. Ela começa a se arrepender de ter querido tanto voar.

Duas horas e dez depois da decolagem em Lambert o Alegheny CV-3445 passa voando rasante com os trens baixados, por uma pista vazia do O´hare em Chicago iluminada por holofotes e alguém entre os bombeiros e mecânicos de prontidão embaixo grita apontando para ele.

-- Porra, está mesmo só com um dos pneus no trem da esquerda.

Uma pista é coalhada de espuma deslizante e lá vem o convair na luz do amanhecer, voa baixo e com velocidade super reduzida que ameaça fazer o avião estolar, mas tem que ser assim. No bojo passageiros rezam e se apertam nos assentos e uma moçoila mais nervosa do que nunca, sentada em um assento de comissário segura uma maçaneta para girar caso aquela merda pegue fogo.  Logo, mas visto pouco pela luz do amanhecer a pista fica grande, branca de espuma, o avião desce, parece que vai se espatifar bate no asfalto com a barriga e faz muito barulho, quica e faz de novo, vai para frente a uma velocidade maior do que seria em pouso normal, cria fumaça, esparrama espuma, mas fogo não aparece e em ruído infernal que vai diminuindo ele pára longe de onde tocou o solo e as portas são abertas, escorregadeiras de lona caem delas e começa a evacuação.
Os primeiros raios de sol em terra com neve batem no rosto de uma garota loura cabelos curtos e ela olha de dentro de um jipe a figura do CV-3445 parada cercada de bombeiros garantindo sua existência.  Para ela, foi batismo de fogo, para o co-piloto, a folga que esperava porque vai voltar voando de carona para sua mulher parideira, para o rádio operador mais uma aventura para contar para ninguém e para o comandante, brios e méritos por salvar mais de trinta e sete vidas. E viva a aviação.

Conto de Jorge Curvello




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